Discursos

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Compartilhando Homenagens com Uiraúna


*Publicado na Revista FELC n° 10 / Ano X / Jan 2016

Neste ano que termina o povo de São Paulo me prestou duas homenagens que se revestem de especial significado, transcendendo meus méritos pessoais, e que divido com meus conterrâneos de Uiraúna, terra querida onde minhas raízes estão plantadas.

A primeira homenagem foi a medalha “São Paulo Apóstolo”, sendo meu nome escolhido em votação promovida pela Arquidiocese de São Paulo e que foi entregue a mim e a outros ilustres homenageados por sua Eminência Reverendíssima Cardeal Odilo Pedro Scherer em ato solene realizado no dia 25 de agosto de 2015.

 A segunda, foi o Prêmio de Direitos Humanos “Dom Paulo Evaristo Arns”, concedido pela municipalidade de São Paulo e que tive a honra de receber pelas mãos de Sua Excelência o Prefeito Fernando Haddad no dia 10 de dezembro deste ano, data em que se comemora o Dia Mundial dos Direitos Humanos, em solenidade que contou com as presenças de autoridades e muitos amigos, conferindo, assim, mais prestígio e significado ao generoso gesto dos paulistanos para comigo.

Ambas as homenagens, carregadas de simbolismo, foram oportunidades para expressar minha gratidão a São Paulo pelo muito que a cidade tem feito por mim, por meus irmãos nordestinos, pelos migrantes do mundo inteiro, que para ela acorrem em busca de sobrevivência e trabalho, de realização pessoal e profissional... enfim, em busca de felicidade.

São Paulo me acolheu quarenta e cinco anos atrás, com a magnanimidade que lhe é peculiar, mas que, ao mesmo tempo, lança desafios de quem tem a vocação de ir na frente para construir, no presente, seu próprio futuro. São Paulo faz isso com arrojo e inspirada no seu lema: “Non ducor, duco.” Idêntica ousadia ela exige de cada um dos cidadãos e cidadãs que nela nasceram ou que para lá migraram.
Desde que lá cheguei, me dei conta de que teria que ser forte se quisesse sobreviver aos embates que se travam quotidianamente dentro e fora de suas fronteiras. Também entendi que essa era a contrapartida que eu teria que dar pelas oportunidades que a cidade me propiciou.

Lembro-me bem quando, no dia 28 de janeiro de 1971, desembarquei na cidade, há quase quarenta e cinco anos. É como se fosse hoje.

A sensação mais forte que experimentei ao pisar seu chão e ao percorrer suas ruas e avenidas, era de alguém muito estranha e terrivelmente só. Ao mesmo tempo me sentia invadida pelas mensagens sem conta dos anúncios luminosos que se chocavam com as imagens e sons que trazia na memória misturados à saudade sem fim dos que deixara lá longe.

Até lembranças da infância afloravam aos borbotões me atordoando e me trazendo de volta um passado distante como naquela noite em que, ainda muito criança, vi luz elétrica pela primeira vez, quando a professora nos levou para conhecermos a vizinha cidade de Souza.

Levei um tempo para me adaptar ao ritmo do dinamismo da gigantesca cidade. Hoje não sei viver noutro lugar. Diferentemente de quando cheguei a São Paulo, é lá que me sinto em casa e para onde tenho pressa de voltar.

São Paulo mudou muito nessas últimas quatro décadas. Já está longe o tempo em que o frio intenso dos seus dias de garoa fazia o tormento dos que lá chegavam e eram obrigados a se amontoar nas favelas e cortiços que, infelizmente, ainda hoje são a parte triste e feia do cenário da cidade.

Contrastando com isso, crescem parques e áreas verdes, revelando o despertar da consciência ecológica da sua gente e a descoberta da natureza como um dom de Deus à humanidade.

Sabe outra coisa que em São Paulo me encanta? É a variedade de raças, de culturas, de tipos humanos que formam seu povo, o povo paulistano, cuja ousadia levou a que vinte sete anos atrás elegesse uma paraibana de Uiraúna, filha de um seleiro e uma dona de casa, a primeira prefeita de São Paulo.

Um novo capítulo dessa história começou a ser escrito a partir de 1º de janeiro de 1989, quando recebi das mãos soberanas do povo paulistano o mandato para conduzir os destinos de sua cidade. A opção por uma mulher, uma nordestina, uma filha de artesão, marcou o início de um novo tempo na cidade de São Paulo, pelo próprio povo que se tornou o principal protagonista do primeiro governo Democrático Popular da capital paulista.

Ao concluir, registro a emoção que vivi ao receber um Prêmio que leva o nome do amado Pastor e iluminado Profeta da Esperança e dos Direitos Humanos – Dom Paulo Evaristo Arns – a quem muito devo pela sua confiança e decisivo apoio nos momentos de extrema dificuldade que enfrentamos durante o nosso governo.        


Luiza Erundina de Sousa

Deputada Federal – PSB/SP