Discursos

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Polêmicas em torno de uma falsa questão

*Publicado no site Brasil Econômico em 20/09/2011



Uma polêmica vem sendo alimentada, à exaustão, pela mídia em torno de uma falsa questão, a de que, ao se propor um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, estaria se atentando contra a liberdade de expressão e querendo ressuscitar a censura no país.

A quem interessaria essa polêmica? Certamente não aos que lutaram contra o arbítrio e em defesa das liberdades democráticas e que pagaram muito caro pela reconquista dos direitos humanos, inclusive o direito à informação e à comunicação.

A polêmica ganhou fôlego após o Partido dos Trabalhadores ter aprovado, recentemente, no seu 4º Congresso Nacional, uma resolução que defende a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil.

Tal proposta está em perfeita sintonia com o que a sociedade civil organizada aprovou, há quase dois anos, na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009, e que contou com a participação de mais de 1.600 delegadas e delegados tirados em conferências preparatórias promovidas em todos os estados da federação.

É insustentável a manutenção do atual quadro legal e normativo da mídia no país, que, além de desatualizado, apresenta vazios jurídicos que comprometem o pleno desenvolvimento do setor de comunicações no país que precisa atender às exigências e responder aos enormes desafios da era digital.

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, basta lembrar que o Código Brasileiro de Telecomunicações, principal fundamento legal, é de 1962 e, portanto, completamente desatualizado, além de ter sido fragmentado pela Lei Geral de Telecomunicações, que é de 1997, e que também está defasada.

A Constituição Federal de 1988, no capítulo V, criou a possibilidade de atualização e democratização do nosso sistema de comunicação. Contudo, o importante avanço no plano institucional não teve eficácia, até os dias de hoje, em razão desses dispositivos constitucionais ainda não terem sido regulamentados pelo Congresso Nacional por meio da aprovação de legislação infraconstitucional.

Como se vê, o marco regulatório em vigor é um verdadeiro caos, o que também contribui para manter as irregularidades que se acumularam ao longo de quase meio século.

Citaria, entre outras, a propriedade cruzada que gera a absurda concentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos privados que também se beneficiam com o fato do Estado, como órgão regulador, se omitir em sua função fiscalizadora e não coibir o oligopólio e outros tantos abusos.

Ademais, quando se propõe o controle público dos meios de comunicação, a reação dos que detêm, durante décadas, as concessões de canais de rádio e televisão é imediata e sem razão de ser; alegam que tal controle representaria um desrespeito à liberdade de expressão.

Ao contrário disso, o que a sociedade de fato reivindica é a elaboração de um novo marco regulatório que corresponda ao estágio de desenvolvimento tecnológico da era digital e que garanta a todas e todos os cidadãos brasileiros o direito à comunicação e ao pleno exercício da liberdade de expressão. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Seminário Nacional de Participação Popular nos Governos Locais


Palestra de Luiza Erundina – Professora da
Fundação Getúlio Vargas e Ex-Prefeita de S. Paulo
Novembro de 1995

A questão “para que a participação popular nos governos locais? Nos remete a outra pergunta: “para que democracia e que tipo de democracia queremos? “Convivemos, hoje, com farsas de democracia, pois apenas a democracia representativa não é suficiente para o pleno exercício da cidadania política, que supõe o exercício da democracia direta, ou seja, da participação popular interferindo diretamente nas decisões políticas, assim como no controle e na fiscalização da gestão pública.

Ao se referir à participação popular na instância municipal de governo, é preciso considerar que o governo municipal tem a dimensão menor do que o poder local. Sem dúvida, na perspectiva e da democracia, é na instância municipal de governo que se coloca a possibilidade do exercício do poder local que, no entanto, é mais amplo do que o poder municipal é a instância institucional de governo, ou seja, é a expressão na esfera local do poder do Estado. Administração municipal e poder local se completam e coexistem, mas não são a mesma coisa. Portanto, ao falar de participação, é necessário ter presente a relação Estado e sociedade civil, elementos presentes nessa proposta.

Desenvolvimento social no âmbito municipal

Não se pode esperar que o município realize o desenvolvimento social. O desenvolvimento ou é econômico, político, social e cultural, ou é crescimento econômico. O autêntico desenvolvimento supõe uma concepção integral, um processo global que envolve todas essas dimensões e, como tal, não há como o município, que é a esfera de poder do Estado mais esvaziada na organização política administrativa do nosso país, promovê-lo.

Dimensionar o desenvolvimento social em âmbito local supõe a existência de um plano ou de uma política nacional. Sem isto, é demais esperar que o município tenha condições de promover o desenvolvimento na perspectiva da melhoria da qualidade de vida da população, e com a sua participação.

Essa questão nos reporta à situação que o país vive e a orientação política que o atual governo está imprimindo ao processo de desenvolvimento nacional. Quando muito, o governo está preocupado com a economia, já que a política hegemônica no país está centrada na dimensão econômica de desenvolvimento, dentro de uma perspectiva neoliberal em que nos coloca a preocupação, inclusive, com a democracia. Sem democracia econômica e social, a democracia política também é limitada e está submetida a riscos.

Ao analisar a forma como o governo está conduzindo a sua política nacional, percebe-se que o social não está colocado, em nenhum momento, em ordem de prioridade. Não há nenhuma política social consistente, capaz de responder as demandas coletivas e ao estágio de exclusão em que se encontra a imensa maioria da população brasileira. Até hoje o governo não anunciou nenhuma política social de fôlego e tem se limitado a praticar uma política compensatória, através do programa Comunidade Solidária. Este programa tem realizado ações subsidiárias e limitadas em municípios escolhidos entre os mais miseráveis, com uma prática clientelista, assistencialista de pior qualidade, que já conhecemos na história brasileira em datas passada e que nunca foram capazes de responder aos direitos sociais da população, muito menos aos direitos de cidadania que se estendem e se completam com o exercício da cidadania política. Então, não podemos esperar dos municípios brasileiros, por mais que tenhamos governantes democratas, progressistas e com reais compromissos populares, que na instância municipal de governo seja possível promover o desenvolvimento social, com a melhoria de qualidade de vida para a população, mesmo com participação popular, se não estiver referido a um plano de desenvolvimento nacional e a um outro tipo de política e não essa que está vigindo no país.

 Desigualdade econômica, desigualdade social

Para que os municípios pudessem ser um dos atores a promover o desenvolvimento social seria necessário que o governo brasileiro enfrentasse o problema da concentração de renda. O Brasil é o país de maior concentração de renda do mundo: 10% da população ficam com mais de 40% da riqueza gerada no país, enquanto 50% ficam com apenas 2,3%. Os discursos oficiais costumam falar que o Brasil é rico, mas injusto. Mas não bastam discursos, é preciso transformá-los em práticas de governo e práticas políticas que levem à distribuição de renda usando mecanismos como, por exemplo, a reforma tributária. Mas, infelizmente, até hoje, o governo Fernando Henrique Cardoso não se empenhou em uma efetiva reforma tributária como mecanismo de distribuição de renda capaz de fazer justiça fiscal, justiça distributiva e com isso assegurar aos municípios e às comunidades locais recursos e meios para promover a nível local as intervenções, os investimentos e as mudanças que possam representar de fato uma contribuição à mudança na qualidade de vida do nosso povo e o respeito aos direitos sociais da maioria da população brasileira.

Por outro lado, o governo não acena com reformas estruturais no país. Ainda não houve vontade política de promover a reforma agrária e a reforma urbana, como medidas capazes de democratizar o uso da terra, condição para promover o desenvolvimento. O Brasil não fará justiça social sem a determinação de se realizar a reforma agrária, junto a uma política agrícola competente, e a reforma urbana para socializar a terra, um bem que é escasso e ainda serve à especulação, sobretudo nas grandes cidades.

São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, com altos índices demográficos e de urbanização, ainda tem cerca de 30 % de seus espaços vazios reservados à especulação imobiliária. Estes dados são importantes para se ter a justa medida dos limites e das possibilidades dos governos municipais e do poder local para promover o desenvolvimento social. Este só será possível com geração de emprego e renda, com distribuição da riqueza, e tudo isso ainda está por se fazer em nosso país.

Os limites dos governos municipais

O município é a esfera do Estado mais esvaziada de poder, pois não tem poder econômico e, consequentemente, o seu poder político é limitado. Apesar de ter conquistado autonomia política na Constituição de 88, com o direito de elaborar a Lei Orgânica Municipal, não foi assegurado aos municípios autonomia econômica, financeira e poder real para promover o desenvolvimento local. Assim, não há como garantir os direitos sociais básicos que fundamentam as demandas coletivas e são eixos das lutas dos movimentos populares no seu esforço de conquista de direitos e construção da cidadania.

Os municípios brasileiros ainda ficam com a menor fatia do bolo orçamentário, diferentemente de cidades de outros países do primeiro mundo. Fala-se muito em promover o país ao primeiro mundo, mas não se dá um passo no sentido de gerar iniciativas que assegurem o fortalecimento do poder local e que viabilizem a participação da sociedade civil na gestão pública, no exercício da cidadania política.

Em países como a Suécia, 72% da receita pública ficam nos municípios que gerenciam e aplicam os recursos tributários e fiscais do país. Aí sim o poder local é forte, soberano e tem condições efetivas de cumprir as suas competências na relação com a sociedade. No Japão, EUA e países da Europa esse percentual oscila entre 40% a 60% que fica nos municípios para ser por eles gerenciado. No Brasil, apenas a partir  de 1988 os municípios passaram a deter uma fatia de 15% da receita pública; antes era de cerca 5% a 6%, o que aliviou as receitas municipais. Os recursos, porém, ainda são insuficientes para responder aos encargos repassados aos municípios a pretexto da descentralização e da municipalização. Em tese, essa é uma idéia positiva, avançada, mas a transferência de encargos e responsabilidades sem a correspondente transferência de recursos financeiros no mesmo nível, significa onerar os municípios, sobrecarregar as administrações e limitar o poder de resposta dos governos municipais às demandas coletivas, principalmente nos grandes centros urbanos.

Não é por acaso que os municípios são a esfera mais esvaziada de poder. Na tradição autoritária, que marca a organização política administrativa do país, a instância que tem uma proximidade maior com a sociedade civil, uma relação mais direta com os cidadãos e onde a face do Estado é mais visível, é a que tem menos poder. Exatamente por isso não se dá poder aos municípios, porque estando mais sensíveis, e mais suscetíveis às demandas e pressões da sociedade civil, consequentemente terão que atendê-las e democratizar os recursos e a gestão pública.

Nessa fase de revisão constitucional, é fundamental que os movimentos sociais organizados e entidades da sociedade civil estejam atentos e mobilizados para que não haja retrocessos em relação às conquistas alcançadas em 1988. Há que se admitir que são conquistas ainda limitadas não só do ponto de vista dos direitos sociais, mas em relação às condições de interferência da sociedade civil na definição das políticas públicas e no controle e fiscalização das ações do Estado. É bom lembrar que foi graças à participação e ao empenho dos setores organizados que se conseguiu avançar no texto constitucional em relação aos direitos de cidadania; foi quando se inseriu mecanismos de participação na gestão do Estado como o referendum popular, plebiscito e o direito à informação sobre os recursos públicos e sua destinação. Ainda que inscritos na Constituição como direitos e conquistas, há muito para se regulamentar e disciplinar através de leis ordinárias e complementares, de forma que esses mecanismos institucionais de participação sejam de fato concretizados, sendo essa a condição para que os cidadãos possam efetivamente participar do poder.

A democracia participativa supõe partilha de poder

A democracia participativa é mais do que levar a população aos finais de semana – como fazem alguns governos municipais conservadores – a cavar valetas ou fazer asfalto, a pretexto de dizer que o governo é democrático. Isso não é participação, é onerar e explorar a população que dedica um tempo necessário ao lazer, à família e a recuperar as suas energias para a projeção da imagem de um prefeito que não divide a decisão sobre o orçamento, sobre as prioridades do governo e muito menos coloca instrumentos de controle e fiscalização do que é realizado, agindo de forma autoritária e centralizada.

Participação é divisão do poder, pelo executivo e o legislativo, com a sociedade civil organizada. É tirar o poder delegado a quem detém o mandato popular transferindo-o para a fonte do poder que é o povo. E, ao mesmo tempo, é contribuir para que o povo se capacite e se assuma como sujeito político que quer participar do exercício do poder através da democracia direta, convivendo com a democracia representativa, e assim fazer avançar a construção da democracia.

A convivência harmônica e complementar da democracia direta e a democracia representativa – e isso é exercício de cidadania política – só é possível na instância local de poder, nos municípios, nas cidades onde vivem os cidadãos, onde é possível acumular seja na construção da cidadania política, seja na consolidação da democracia.

Os desmandos e os desvios que ocorrem, sobretudo nas comissões de orçamento em diferentes níveis, são resultados da ausência da sociedade organizada e da falta de mecanismos regulamentados para exercer o controle e a fiscalização da ação de governo na instância local, estadual e federal, e para que os cidadãos que definem as prioridades e as políticas públicas que expressam os compromissos de governos em determinada gestão.
Até mesmo os mecanismos de participação que estão previstos em leis federais como, por exemplo, a Lei Orgânica da saúde que prevê a criação dos conselhos municipais, estaduais e federal de saúde, não têm funcionado de forma plena e satisfatória. Alguns municípios e estados com governos autoritários sequer promovem as conferências que estão previstas em lei, direto que precisa ser assegurado e vai depender do grau de pressão e de mobilização popular para conseguir torná-las efetivas na gestão pública.

O cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê a criação de conselhos tutelares e de conselhos de direito, ainda não foi implementado em centenas de municípios brasileiros. Consequentemente, os direitos das crianças e do adolescente que estão assegurados por um instrumento que é um dos mais avançados do mundo, ainda não é uma realidade em nosso país, devido a omissão de governantes municipais, estaduais e federal e pela insuficiente organização e mobilização da própria sociedade civil.

O fortalecimento da democracia depende da ampliação da participação da sociedade na gestão pública e do crescimento da consciência política, sobretudo numa conjuntura em que os seus direitos e conquistas estão ameaçados pelo processo de revisão constitucional; a mobilização da sociedade tem sido insuficiente para assegurar esses direitos e para avançar mais ainda. Não é por acaso que os setores conservadores estão tão empenhados na revisão.

Os lobbies que se montaram em Brasília são no sentido de fazer recuar esses direitos e atribuir à Constituição de 888 a responsabilidade pela crise do Estado brasileiro. A reforma do Estado anunciada não tem nada de reforma porque não ataca as questões estruturais, se limitando à reforma administrativa, particularmente ao capítulo do funcionalismo público na perspectiva de quebra da estabilidade no emprego, como se fosse essa a grande panacéia para resolver a crise do Estado. O que se quer é, simplesmente, demitir funcionários nos estados e municípios para resolver o rombo financeiro deixado por governos anteriores. Não são recentes as dificuldades financeiras dos estados e municípios, e elas não são fruto do número de servidores que, em alguns lugares, é até proporcionalmente inferior ao número da população atendida.

 Os limites à participação popular

Superar os limites à participação popular nas instâncias de governo é um dos grandes desafios dessa conjuntura.

A dificuldade de acesso às informações da gestão pública precisa ser vencida. Ninguém participa do que não conhece. A democratização das informações é condição para a participação popular na gestão pública, na elaboração das políticas e no controle e fiscalização das ações de governo.

A descontinuidade das administrações municipais, é um entrave à consolidação da participação, sobretudo quando se trata de um novo governo com compromissos antagônicos e opostos ao anterior, como se deu na cidade  de São Paulo. Outro entrave é a falta de institucionalização dos mecanismos de participação popular, principalmente quando a força política presente no executivo tem a presença minoritária na Câmara municipal. Em São Paulo, no que dependeu do executivo, conseguimos democratizar a gestão da cidade, criar alguns mecanismos de participação, porém na tivemos condições políticas no legislativo para torná-los legais e institucionais. Este fato gerou a descontinuidade das experiências de participação popular na cidade, assim como ocorreu em outras cidades. A descentralização ainda é limitada no que se refere à distribuição de competências e de poder entre as três esferas de governo. Infelizmente o processo de revisão constitucional não aponta mudanças no pacto federativo, predominando ainda uma enorme centralização no governo federal. Em certas situações, alguns municípios têm atuado como franquias dos governos estaduais e federal em relação aquilo que cabe aos municípios realizar. Do ponto de vista normativo, de geração de leis e, sobretudo, em relação à economia não existe autonomia e isso coloca limites à participação na gestão pública.

Por fim, a falta de organização e de politização dos setores populares resulta que apenas uma minoria se mobiliza e participa para garantir os interesses coletivos. É muito reduzido o número de entidades que se comprometem com os processos de participação na gestão pública. As instituições políticas deste país não investem na capacitação política da população, nem mesmo os partidos políticos. Por isso a democracia brasileira ainda é insuficiente, e a cidadania política é limitada. Não há, de fato, educação política sistemática como programa das instituições políticas.

Concluindo, a participação popular é uma conquista e um direito de cidadania. Não é uma benesse, não é acessória e nem secundária. É também condição para se eleger governos democráticos e garantir a sua governabilidade. As primeiras experiências de gestão participativa se deram com a eleição de governos democráticos que contaram com o apoio decisivo e a sustentação política dos setores populares.

A participação popular na gestão contribui para a educação política do nosso povo. É condição para se fazer avançar os direitos sociais e de cidadania e consolidar a democracia com o exercício da democracia direta.

Observações sobre a relação com os movimentos populares

A experiência vivenciada em São Paulo, na relação com os movimentos populares, mostrou que é muito diferente estar na oposição, ainda mais quando nunca fizemos uma experiência de ser governo. Imaginamos de forma honesta e séria que é possível um governante atender a todas as reivindicações populares, por tratar-se apensa de questão de vontade política. Quando estamos do outro lado é que verificamos que esse poder não é tão grande assim. Até porque o poder municipal é limitado. Essa relação é tensa e conflitiva e não poderia ser diferente, se defendemos a autonomia e a independência dos movimentos. Não há interesse nem do governo, nem dos movimentos, que haja uma fusão entre dois campos. Isso atentaria contra a democracia participativa no exercício de um mandato institucional.

Entretanto, há contradições entre quem administra recursos na gestão pública e quem está demandando investimentos. Foi uma aprendizagem extremamente dura, conflituosa e contraditória, em São Paulo, tanto para quem estava no movimento popular, como para quem estava exercendo cargo público. E há contradições, também, no seio dos movimentos organizados, conflitos para gerenciar a relação das lideranças com as suas bases, para que não pareça que na relação com o governo municipal essas lideranças estejam sendo manipuladas, cooptadas ou pelegas. A luta interna dentro do próprio movimento, na relação com um governo democrático, faz com que, às vezes, sua atuação seja até mais dura e intransigente com o governo que eleger do que se fosse com um governo conservador, de direita.

Mas tudo isso é uma aprendizagem importante. Com erros e acertos estamos dando passos importantes para a construção de uma nova relação democrática. 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Transporte, um direito social

Publicado no site Brasil Econômico em 06/09/11



A locomoção nas cidades, especialmente nos grandes centros urbanos, é um enorme problema para a população em geral, mas sobretudo para os trabalhadores que dependem do transporte coletivo para deslocar-se de casa para o trabalho.

Representa também um grande desafio para os gestores públicos que devem responder com uma política de transporte capaz de atender aos vários aspectos da questão, como as grandes distâncias a serem percorridas; o trânsito caótico em ruas e avenidas onde automóveis e coletivos disputam freneticamente o espaço exíguo para um tráfego intenso; e o elevado custo do serviço.

Medidas pontuais têm sido adotadas, mas que se revelam ineficazes para resolver um problema estrutural das regiões metropolitanas. Pouco adiantam faixas exclusivas para ônibus ou rodízio de carros distribuído nos dias da semana se a frota cresce, estimulado, inclusive, por essa medida que leva parte dos usuários a adquirir mais um veículo com outra placa.

É preciso considerarmos ainda o problema tarifário e a qualidade do serviço. O preço da passagem é muito alto para um grande número de usuários obrigados a fazer parte do percurso a pé para diminuir o número de viagens e, consequentemente, as suas despesas. É verdade que parte dos custos do serviço é subsidiado pelas prefeituras com recursos do orçamento municipal, o que também acaba onerando o usuário do serviço, pois ele também paga imposto.

Quando administramos a cidade de São Paulo, e considerando injusto que um serviço essencial para o funcionamento da cidade como o transporte coletivo fosse bancado exclusivamente pelo usuário e pelo poder público, tentamos implantar uma política tarifária que distribuísse os custos do sistema pela sociedade como um todo, através de um mecanismo denominado "Tarifa Zero".

A proposta era que o transporte coletivo fosse pago por meio de impostos e taxas municipais, a exemplo dos serviços de saúde, educação, coleta e destino do lixo etc., e que constituiriam um Fundo Municipal de Transporte.

A ideia provocou a ira de setores da sociedade, movidos por uma campanha de mídia contra a proposta, usando argumentos preconceituosos, como: "os ônibus vão estar lotados de bêbados e de desocupados", ou ainda, "se for de graça, haverá vandalismo e os ônibus serão depredados".

Tais argumentos, além de falaciosos, demonstram o descompromisso daquela parte da sociedade com o interesse da cidade como espaço comum de vivência e de construção coletiva de cidadania.

A Câmara de vereadores, por sua vez, engrossou o coro dos profetas do caos e rejeitou a proposta, negando os recursos previstos para sua implantação, no projeto de lei orçamentária, movidos, inclusive, por mesquinhos interesses eleitorais.

A ideia, porém, não morreu e, após exatos 21 anos, volta revitalizada pela ação de um movimento liderado por jovens que abraçou a causa e luta pela Tarifa Zero.

Recentemente, lançou em São Paulo uma campanha para a coleta de assinaturas em um Projeto de Lei de iniciativa popular a ser apresentado à Câmara Municipal propondo a criação de Fundo Municipal de Transporte para sustentar a Tarifa Zero e, assim, garantir um transporte público de qualidade acessível a todos os paulistanos.

De outra parte, estamos apresentando uma proposta de Emenda Constitucional (PEC) na Câmara dos Deputados incluindo no artigo 6º da Constituição Federal o Transporte como um direito social.