Discursos

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Para que serve a reforma política


*Artigo publicado no site BR Econômico em 23/08/2011

Há mais de dez anos, discute-se na Câmara dos Deputados uma reforma para resolver os graves problemas do sistema político que se esgotou. Lamentavelmente, não se consegue maioria de votos para aprovar mudanças substantivas, pois cada parlamentar rejeita qualquer proposta que ameace seu interesse eleitoral imediato.

Os partidos pouco significam quanto ao aspecto político-ideológico e o problema não é, como se alega, serem muitos, mas o fato de não cumprirem o que seus estatutos e programas preconizam e a falta de uma definição clara de compromissos e projetos políticos que justificassem a existência de cada um e os diferenciassem.

A única coisa que os distingue é a relação com o governo: como partido aliado ou de oposição; e sempre prevalece o interesse fisiológico de cada agremiação partidária ou, até mesmo, de cada um de seus membros.
Tal situação é agravada com os desvios éticos que têm marcado as relações entre o Congresso e o Governo, o que contribui para a perda de legitimidade e de credibilidade dos representantes do povo, além de provocar rejeição da política pela sociedade.

A raiz de tudo isso é, certamente, a inadequação do atual sistema político. Por isso é imprescindível uma reforma política estrutural que repense o Estado brasileiro como um todo: o sistema de governo (há quem defenda o parlamentarismo); as prerrogativas e relações entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, para garantir a independência, a harmonia e o equilíbrio entre eles; o pacto federativo, com vistas à justa e equânime distribuição de poder entre os municípios, estados e união; a proporcionalidade da representação na Câmara, para corrigir o desequilíbrio que existe entre o número de representantes dos maiores e dos menores estados da federação; as competências da Câmara e do Senado, no sentido de corrigir duplicidade e irracionalidade no processo legislativo brasileiro.

Vale destacar ainda a ausência ou baixa representação da maioria da população brasileira, ou seja, as mulheres e os negros são mais da metade da sociedade e, no entanto, são apenas 8,7% e 8,3%, respectivamente, na Câmara dos Deputados, e não há sequer um representante dos índios no Congresso Nacional.

Além disso, a presença desses segmentos nos poderes Executivo e Judiciário é ainda menor e revelador da enorme exclusão política ainda existente no país.

Outrossim, os efeitos de uma legislação eleitoral cheia de imperfeições tornam ainda mais grave esse quadro, pois distorcem a vontade soberana do eleitor. É o caso, por exemplo, das coligações partidárias nas eleições para vereador, deputados estadual e federal. Isso porque ele vota num candidato de um partido, que não se elege, e termina elegendo, sem saber, alguém de outro partido, que nem conhece.

É preciso, portanto, acabar com as coligações nas eleições para os cargos proporcionais.

Outras mudanças são também necessárias, tais como: votação em lista partidária preordenada, com alternância de gênero, e financiamento público exclusivo de campanhas políticas, com vistas a fortalecer os partidos políticos e a coibir o abuso do poder econômico e a corrupção eleitoral.

Enfim, a solução para as graves distorções do nosso sistema político exige uma reforma política que não se limite a meros remendos na legislação eleitoral e partidária, mas que seja estrutural, capaz de promover o fortalecimento e a consolidação da democracia brasileira e de gerar mudança da cultura política do país.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

É indispensável ampliar a democracia representativa | Entrevista com Luiza Erundina


A deputada Luiza Erundina (PSB) recebeu o editor executivo de ESTUDOS AVANÇADOS, o jornalista Marco Antônio Coelho, em seu escritório político em São Paulo, no dia 21 de agosto de 2009, para a entrevista que se segue.

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Estudos Avançados – Em sua opinião, quais as causas da crise no Congresso Nacional?
Luiza Erundina – A meu ver, a crise do Congresso Nacional tem como principal causa o esgotamento do sistema político brasileiro, que precisa passar por uma profunda reforma.
Há mais de seis anos, discute-se na Câmara dos Deputados uma reforma política para resolver os problemas estruturais do nosso sistema. Lamentavelmente, não se consegue maioria de votos para aprovar mudanças substantivas, pois cada parlamentar reage contrariamente a aprovar qualquer proposta que ameace seu interesse eleitoral imediato.
O quadro partidário também se exauriu. Os partidos políticos pouco significam do ponto de vista político-ideológico. Não representam, na prática, o que seus estatutos, programas e as próprias siglas pretendem expressar, gerando, assim, uma grande confusão a respeito da identidade dos diferentes partidos que, ideológica e politicamente, não mais se diferenciam. A única diferença que existe é quanto à posição que ocupam em relação ao governo; de oposição ou de apoio a suas iniciativas e, mesmo assim, sempre levando em conta o interesse fisiológico de cada partido ou, até mesmo, de cada um de seus membros.
Essa situação se agrava com os desvios éticos que têm marcado a história recente do Congresso e do governo, o que contribui para a perda de legitimidade e de credibilidade dos nossos representantes e, consequentemente, para uma grave crise de representação.
 Na raiz de tudo isso está a inadequação do sistema político como um todo. Por isso é inadiável uma reforma política de fôlego que repense o Estado brasileiro: seu caráter, sua estrutura de organização; faça a revisão do pacto federativo, com vistas a maior equilíbrio na distribuição de poder entre as três esferas: municipal, estadual e federal.
Quanto aos partidos, o problema não é, como se alega, o seu grande número. Mas, sim, a falta de uma definição clara de compromissos ideológicos e de projetos políticos que justifiquem a existência de cada um deles e que os diferenciem entre si.
 A crise de representação a que já me referi também se expressa na ausência ou baixa representação de amplos segmentos da sociedade. Nós, mulheres, que somos mais de 50% da população, na Câmara dos Deputados, somos apenas 8,9%, e pouco mais de 10% no Senado. Os negros são menos de 4% e não existe nenhum índio no Congresso Nacional, o que significa que a maior parte da população brasileira não está representada no Parlamento. E se analisarmos a presença desses segmentos nos Poderes Executivo e Judiciário, as distorções são ainda maiores. A conclusão a que se pode chegar é de que não temos plena democracia política no Brasil, e muito menos econômica e social.
Vale destacar, ainda, que a crise da democracia representativa se deve também à falta de democracia participativa e democracia direta. Embora a Constituição de 1988 apresente significativos avanços nesse aspecto, não tiveram, até agora, efetividade, pois os mecanismos previstos no seu artigo 14 ainda não foram totalmente regulamentados, tais como: plebiscito, referendo e projeto de lei de iniciativa popular.
Há projetos de Iei tramitando há muito tempo no Congresso que propõem a regulamentação do artigo 14, mas enfrentam grande resistência dos deputados e senadores que se consideram detentores exclusivos do poder e não admitem partilhá-lo com o povo, em claro desrespeito à Constituição e à soberania popular.
Além disso, o equilíbrio e a harmonia entre os três poderes da República, previstos na Constituição, têm sido frequentemente comprometidos, o que também contribui para o agravamento da crise. Com efeito, o Executivo interfere indevidamente no Legislativo, ao decretar de forma indiscriminada um grande número de medidas provisórias. O judiciário, por sua vez, também interfere nesse Poder ao estabelecer normas legais por meio de Resoluções, como a respeito da cláusula de desempenho dos partidos políticos e sobre a fidelidade partidária. Trata-se, por conseguinte, da usurpação de prerrogativas de um poder pelo outro, o que é absolutamente inaceitável.
Ao lado disso, verifica-se também grande dependência do Executivo em relação ao Legislativo, em nome da governabilidade, o que é mais uma distorção na relação entre os poderes.
Tudo isso configura, portanto, uma grave situação de crise política que precisa ser enfrentada com coragem e determinação pelo Congresso Nacional, com a participação da sociedade, antes que se transforme em uma crise institucional de conseqüências imprevisíveis.

Estudos Avançados – Que medidas poderiam contribuir para aumentar a representatividade do Congresso?
Luiza Erundina – É imprescindível corrigir a proporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados, uma vez que o voto dos eleitores dos Estados pequenos, como Acre e Amapá, por exemplo, acaba valendo muitas vezes mais do que o voto dos eleitores dos Estados maiores, como São Paulo e Minas Gerais.
Ademais, a legislação eleitoral está cheia de imperfeições que terminaram por distorcer a vontade soberana do eleitor. É o caso, por exemplo, das coligações partidárias nas eleições para cargos proporcionais de vereadores e deputados estaduais e federais, isso porque o eleitor vota em um candidato de um partido, que não se elege, e termina, sem saber, elegendo alguém de outro partido, que nem conhece.
Por tudo isso, a legislação eleitoral e partidária precisa passar por profunda revisão, com vistas a corrigir essas distorções e a aperfeiçoá-la. É preciso, pois, acabar com as coligações nas eleições proporcionais, mantendo-as apenas, nos pleitos para os cargos majoritários de prefeitos, governadores, senadores e presidente da República.
Enfim, é de uma verdadeira reforma que o Brasil necessita há muito tempo; que, entre outras mudanças, estabeleça votação em lista preordenada de candidatos de cada partido; financiamento público exclusivo, a fim de acabar com a influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e garantir igualdade de condições entre os candidatos.
Outrossim, o desempenho dos representantes deve ser acompanhado e controlado pelos eleitores que, para isso, precisam dispor de mecanismos adequados e eficientes que possibilitem, inclusive a cassação de mandatos que eventualmente, traírem o voto popular.

Estudo Avançados – A senhora julga indispensáveis mudanças no dispositivo constitucional que permitiu a decretação de medidas provisórias do Executivo?
Luiza Erundina – A meu ver, nesse aspecto, não há necessidade de mudança. O que se deve exigir é que medidas provisórias sejam decretadas em absoluta conformidade com os limites estabelecidos pela Constituição, ou seja, só devem ser usadas em situações relevantes e de extrema urgência, o que não é o que ocorre hoje. O uso abusivo e indiscriminado de medidas provisórias pelo poder Executivo tem sido uma prática recorrente, o que representa uma usurpação das prerrogativas do poder Legislativo que, por sua vez, tem sido omisso na defesa dessas. Acrescente-se a isso o agravante de que, além de nem todas as medidas provisórias se justificarem como tal, frequentemente recebem emendas que nada tem a ver com as matérias objetos delas.

Estudos Avançados -  Como a senhora analisa a repercussão dos acontecimentos em torno da Cris do Congresso, inclusive quando surgem teses como a extinção do Senado?
Luiza Erundina – Esse aspecto é preocupante. Afinal, a crise do Congresso não desgasta apenas a imagem dos políticos que se envolvem em escândalos, mas atinge também as instituições. A mídia, por sua vez, generaliza e nivela por baixo, passando a impressão de que todos os políticos são igualmente corruptos e oportunistas, o que não é verdade. Esse julgamento, outrossim, é injusto e atenta contra a democracia, até porque não pagou o preço que muitos pagamos, durante o regime militar, pela redemocratização do país.
Portanto, essa campanha sistemática de difamação contra os políticos, promovida pelos meios de comunicação, e que não separa o joio do trigo atinge e fragiliza as instituições democráticas e isso é muito grave.
É irresponsabilidade, pois, fazer coro com os que, equivocadamente, defendem a extinção de qualquer dos Poderes da República, ainda mais o Legislativo que é o que representa de forma mais direta os cidadãos e cidadãs brasileiros. Uma sociedade politizada e com adequada compreensão sobre os conflitos e contradições do mundo da política e, até mesmo, sobre os desvios éticos que aí ocorrem e que precisam ser extirpados certamente não apoiará teses que contribuam para enfraquecer a democracia.
Por fim, temos que adotar medidas com vistas a qualificar melhor o voto dos eleitores; aplicar regras mais rígidas na definição de candidaturas; e criar mecanismos de controle e fiscalização do comportamento dos eleitos por parte da sociedade. Tudo isso visando à preservação e ao fortalecimento da democracia.

Estudos Avançados – qual o papel da Universidade?
Luiza Erundina – Antes de tudo, cabe à Universidade contribuir com o debate sobre os grandes temas de interesse nacional. Entre outros, o da reforma política e o da democratização dos meios de comunicação social que, atualmente, fazem parte da agenda da sociedade.
A Universidade poderia, ainda, acompanhar mais de perto a atuação do Congresso Nacional, sobretudo junto às diversas Comissões permanentes que é onde se dá a discussão das questões politicamente mais importantes e atuais e de maior interesse para a vida do país.
Finalmente, como centro de elaboração do conhecimento, da formação de novos atores sociais e de pesquisa sobre a realidade nos seus vários aspectos, constitui-se a Universidade em interlocutora imprescindível aos que têm a responsabilidade pela política nos espaços institucionais e aos que comandam, em nome do povo, os destinos da nação brasileira.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Os 10 anos da CLP


A criação da Comissão de Legislação Participativa (CLP) pela Resolução nº 121, aprovada em 30 de maio de 2001, representou um marco na história da Câmara dos Deputados. Foi uma iniciativa do então presidente da Câmara, deputado Aécio Neves, e contou com o apoio unânime dos líderes e parlamentares de todos os partidos políticos com representação na Casa.

Por ocasião do ato de instalação da CLP, no dia 08 de agosto daquele mesmo ano, o presidente da Câmara enfatizou o significado da criação daquele órgão técnico, dizendo que "talvez fosse a mais vigorosa e importante janela que a Câmara dos Deputados teria aberto para que a sociedade pudesse contribuir com o processo legislativo".

Transcorrida a primeira década de pleno funcionamento desse mecanismo de democracia direta, os resultados que apresenta são bastante relevantes e demonstram sua contribuição para o fortalecimento da democracia no país, possibilitando a participação de entidades da sociedade: sindicatos, ONGs, associação de moradores, entre outros, junto ao Poder Legislativo, mediante apresentação de sugestões de projetos de lei que, se aprovados pela Comissão, poderão virar leis.

Além disso, propicia o encontro da Câmara com a sociedade, ou seja, com o povo, fonte de todo o poder, conforme consagra a Constituição Cidadã de 1988 no Artigo. 1º, parágrafo único:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição".

No início, a CLP gerou desconfiança e resistência por parte de parlamentares que viam na Comissão uma ameaçada ao seu poder como representantes do povo.

Várias tentativas foram feitas para inviabilizá-la como, por exemplo, incorporá-la a outra comissão permanente, mas sem sucesso, pois tiveram de enfrentar forte reação de deputados e de entidades da sociedade que já estavam plenamente envolvidas no processo de construção desse importante espaço conquistado no legislativo.

No entanto, algum tempo depois conseguiram tirar da CLP a prerrogativa de apresentar emendas ao orçamento da União, que é comum a todas as comissões permanentes da Câmara. Porém, há um grande empenho dos que compreendem o valor inestimável desse mecanismo de democracia direta, no sentido de recuperar essa prerrogativa, uma das mais importantes que é a de influir na destinação dos recursos públicos, quando da elaboração da Lei Orçamentária da União.

Não tem sido fácil preservar essa conquista que corresponde a um direito consagrado na Carta Maior do país que atribui poder ao verdadeiro construtor da Nação - o povo.

Os resultados apresentados pela CLP nos dez primeiros anos de atuação demonstra o extraordinário significado dessa conquista da cidadania brasileira que passou a dispor de um meio que lhe assegura o poder de legislar.

Durante esse tempo, dezenas de entidades da sociedade civil organizada apresentaram à CLP 766 sugestões de lei, das quais 353 (46%) foram transformadas em proposições, tais como: projetos de lei; requerimentos de audiências públicas e seminários; indicações ao Poder Executivo e emendas orçamentárias. Todas essas iniciativas de real interesse público e social.

Fica comprovado, portanto, que, ao contrário do que alguns supõem, compartilhar o poder com o povo, fonte e origem do poder, contribui para que a representação política se legitime e se fortaleça, visto que democracia representativa e democracia direta são os dois pilares que sustentam o edifício da verdadeira democracia.