A deputada Luiza Erundina (PSB) recebeu o editor executivo de ESTUDOS AVANÇADOS, o jornalista Marco Antônio Coelho, em seu escritório político em São Paulo, no dia 21 de agosto de 2009, para a entrevista que se segue.
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Estudos Avançados – Em sua opinião, quais as causas da crise no Congresso Nacional?
Luiza Erundina – A meu ver, a crise do Congresso Nacional tem como principal causa o esgotamento do sistema político brasileiro, que precisa passar por uma profunda reforma.
Há mais de seis anos, discute-se na Câmara dos Deputados uma reforma política para resolver os problemas estruturais do nosso sistema. Lamentavelmente, não se consegue maioria de votos para aprovar mudanças substantivas, pois cada parlamentar reage contrariamente a aprovar qualquer proposta que ameace seu interesse eleitoral imediato.
O quadro partidário também se exauriu. Os partidos políticos pouco significam do ponto de vista político-ideológico. Não representam, na prática, o que seus estatutos, programas e as próprias siglas pretendem expressar, gerando, assim, uma grande confusão a respeito da identidade dos diferentes partidos que, ideológica e politicamente, não mais se diferenciam. A única diferença que existe é quanto à posição que ocupam em relação ao governo; de oposição ou de apoio a suas iniciativas e, mesmo assim, sempre levando em conta o interesse fisiológico de cada partido ou, até mesmo, de cada um de seus membros.
Essa situação se agrava com os desvios éticos que têm marcado a história recente do Congresso e do governo, o que contribui para a perda de legitimidade e de credibilidade dos nossos representantes e, consequentemente, para uma grave crise de representação.
Na raiz de tudo isso está a inadequação do sistema político como um todo. Por isso é inadiável uma reforma política de fôlego que repense o Estado brasileiro: seu caráter, sua estrutura de organização; faça a revisão do pacto federativo, com vistas a maior equilíbrio na distribuição de poder entre as três esferas: municipal, estadual e federal.
Quanto aos partidos, o problema não é, como se alega, o seu grande número. Mas, sim, a falta de uma definição clara de compromissos ideológicos e de projetos políticos que justifiquem a existência de cada um deles e que os diferenciem entre si.
A crise de representação a que já me referi também se expressa na ausência ou baixa representação de amplos segmentos da sociedade. Nós, mulheres, que somos mais de 50% da população, na Câmara dos Deputados, somos apenas 8,9%, e pouco mais de 10% no Senado. Os negros são menos de 4% e não existe nenhum índio no Congresso Nacional, o que significa que a maior parte da população brasileira não está representada no Parlamento. E se analisarmos a presença desses segmentos nos Poderes Executivo e Judiciário, as distorções são ainda maiores. A conclusão a que se pode chegar é de que não temos plena democracia política no Brasil, e muito menos econômica e social.
Vale destacar, ainda, que a crise da democracia representativa se deve também à falta de democracia participativa e democracia direta. Embora a Constituição de 1988 apresente significativos avanços nesse aspecto, não tiveram, até agora, efetividade, pois os mecanismos previstos no seu artigo 14 ainda não foram totalmente regulamentados, tais como: plebiscito, referendo e projeto de lei de iniciativa popular.
Há projetos de Iei tramitando há muito tempo no Congresso que propõem a regulamentação do artigo 14, mas enfrentam grande resistência dos deputados e senadores que se consideram detentores exclusivos do poder e não admitem partilhá-lo com o povo, em claro desrespeito à Constituição e à soberania popular.
Além disso, o equilíbrio e a harmonia entre os três poderes da República, previstos na Constituição, têm sido frequentemente comprometidos, o que também contribui para o agravamento da crise. Com efeito, o Executivo interfere indevidamente no Legislativo, ao decretar de forma indiscriminada um grande número de medidas provisórias. O judiciário, por sua vez, também interfere nesse Poder ao estabelecer normas legais por meio de Resoluções, como a respeito da cláusula de desempenho dos partidos políticos e sobre a fidelidade partidária. Trata-se, por conseguinte, da usurpação de prerrogativas de um poder pelo outro, o que é absolutamente inaceitável.
Ao lado disso, verifica-se também grande dependência do Executivo em relação ao Legislativo, em nome da governabilidade, o que é mais uma distorção na relação entre os poderes.
Tudo isso configura, portanto, uma grave situação de crise política que precisa ser enfrentada com coragem e determinação pelo Congresso Nacional, com a participação da sociedade, antes que se transforme em uma crise institucional de conseqüências imprevisíveis.
Estudos Avançados – Que medidas poderiam contribuir para aumentar a representatividade do Congresso?
Luiza Erundina – É imprescindível corrigir a proporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados, uma vez que o voto dos eleitores dos Estados pequenos, como Acre e Amapá, por exemplo, acaba valendo muitas vezes mais do que o voto dos eleitores dos Estados maiores, como São Paulo e Minas Gerais.
Ademais, a legislação eleitoral está cheia de imperfeições que terminaram por distorcer a vontade soberana do eleitor. É o caso, por exemplo, das coligações partidárias nas eleições para cargos proporcionais de vereadores e deputados estaduais e federais, isso porque o eleitor vota em um candidato de um partido, que não se elege, e termina, sem saber, elegendo alguém de outro partido, que nem conhece.
Por tudo isso, a legislação eleitoral e partidária precisa passar por profunda revisão, com vistas a corrigir essas distorções e a aperfeiçoá-la. É preciso, pois, acabar com as coligações nas eleições proporcionais, mantendo-as apenas, nos pleitos para os cargos majoritários de prefeitos, governadores, senadores e presidente da República.
Enfim, é de uma verdadeira reforma que o Brasil necessita há muito tempo; que, entre outras mudanças, estabeleça votação em lista preordenada de candidatos de cada partido; financiamento público exclusivo, a fim de acabar com a influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e garantir igualdade de condições entre os candidatos.
Outrossim, o desempenho dos representantes deve ser acompanhado e controlado pelos eleitores que, para isso, precisam dispor de mecanismos adequados e eficientes que possibilitem, inclusive a cassação de mandatos que eventualmente, traírem o voto popular.
Estudo Avançados – A senhora julga indispensáveis mudanças no dispositivo constitucional que permitiu a decretação de medidas provisórias do Executivo?
Luiza Erundina – A meu ver, nesse aspecto, não há necessidade de mudança. O que se deve exigir é que medidas provisórias sejam decretadas em absoluta conformidade com os limites estabelecidos pela Constituição, ou seja, só devem ser usadas em situações relevantes e de extrema urgência, o que não é o que ocorre hoje. O uso abusivo e indiscriminado de medidas provisórias pelo poder Executivo tem sido uma prática recorrente, o que representa uma usurpação das prerrogativas do poder Legislativo que, por sua vez, tem sido omisso na defesa dessas. Acrescente-se a isso o agravante de que, além de nem todas as medidas provisórias se justificarem como tal, frequentemente recebem emendas que nada tem a ver com as matérias objetos delas.
Estudos Avançados - Como a senhora analisa a repercussão dos acontecimentos em torno da Cris do Congresso, inclusive quando surgem teses como a extinção do Senado?
Luiza Erundina – Esse aspecto é preocupante. Afinal, a crise do Congresso não desgasta apenas a imagem dos políticos que se envolvem em escândalos, mas atinge também as instituições. A mídia, por sua vez, generaliza e nivela por baixo, passando a impressão de que todos os políticos são igualmente corruptos e oportunistas, o que não é verdade. Esse julgamento, outrossim, é injusto e atenta contra a democracia, até porque não pagou o preço que muitos pagamos, durante o regime militar, pela redemocratização do país.
Portanto, essa campanha sistemática de difamação contra os políticos, promovida pelos meios de comunicação, e que não separa o joio do trigo atinge e fragiliza as instituições democráticas e isso é muito grave.
É irresponsabilidade, pois, fazer coro com os que, equivocadamente, defendem a extinção de qualquer dos Poderes da República, ainda mais o Legislativo que é o que representa de forma mais direta os cidadãos e cidadãs brasileiros. Uma sociedade politizada e com adequada compreensão sobre os conflitos e contradições do mundo da política e, até mesmo, sobre os desvios éticos que aí ocorrem e que precisam ser extirpados certamente não apoiará teses que contribuam para enfraquecer a democracia.
Por fim, temos que adotar medidas com vistas a qualificar melhor o voto dos eleitores; aplicar regras mais rígidas na definição de candidaturas; e criar mecanismos de controle e fiscalização do comportamento dos eleitos por parte da sociedade. Tudo isso visando à preservação e ao fortalecimento da democracia.
Estudos Avançados – qual o papel da Universidade?
Luiza Erundina – Antes de tudo, cabe à Universidade contribuir com o debate sobre os grandes temas de interesse nacional. Entre outros, o da reforma política e o da democratização dos meios de comunicação social que, atualmente, fazem parte da agenda da sociedade.
A Universidade poderia, ainda, acompanhar mais de perto a atuação do Congresso Nacional, sobretudo junto às diversas Comissões permanentes que é onde se dá a discussão das questões politicamente mais importantes e atuais e de maior interesse para a vida do país.
Finalmente, como centro de elaboração do conhecimento, da formação de novos atores sociais e de pesquisa sobre a realidade nos seus vários aspectos, constitui-se a Universidade em interlocutora imprescindível aos que têm a responsabilidade pela política nos espaços institucionais e aos que comandam, em nome do povo, os destinos da nação brasileira.
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