Discursos

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Espírito Santo na Constituinte

*Matéria sobre o 10° painel do Espírito Santo na Constituinte (1988)


Erundina entende a Constituinte como um processo que, se bem utilizado, pode avançar a luta do povo.

A vereadora Luiza Erundina de Souza entende que a Assembleia Nacional Constituinte “não é uma panaceia para resolver os nossos problemas” mas tão somente “um processo que, se bem utilizado, pode avançar a luta do povo na direção de seus direitos sociais”. Erundina criticou os planos assistenciais do Governo Federal que não resolvem os problemas nem elevam a qualidade de vida do brasileiro e não passam de “uma estratégia de desmobilização da organização popular que começa a tomar consciência dos seus direitos sociais e começa a lutar por esses direitos”.

A vereadora do PT considera que a reforma agrária é indispensável para a busca de soluções do problema do povo brasileiro mas não vê ”vontade política” dos governantes sequer para colocar em prática o atual Plano Nacional de Reforma Agrária que, segundo ela, não é a reforma agrária que os trabalhadores desejam e têm direito. Foi a seguinte a exposição de Luiza Erundina no 10° painel do Espírito Santo na Constituinte:

“Antes de tudo eu queria agradecer a oportunidade deste convite e sobretudo porque se trata de um tema que diz respeito muito diretamente ao trabalho que vimos realizando junto aos setores populares de São Paulo como assistente social, como militante política e como vereadora da cidade de São Paulo. Eu gostaria também de me congratular com as entidades promotoras desse evento porque representa um esforço bastante grande e importante nessa fase preparatória à Constituinte, quando temos a obrigação de mobilizar a participação popular para que esse Congresso Constituinte, a partir da participação popular, consiga superar as limitações, as determinações a que ele estará submetido em função de todos os condicionamentos da forma como esse Congresso (e não uma Assembleia) vai ser convocado para restabelecer ou reestruturar a ordem constitucional do país. Sem a participação popular tenho muitas dúvidas que consigamos não comprometer a conquista que os setores populares, que os trabalhadores, já obtivera nesses longos anos, nessas duas últimas décadas. E que a duras penas conseguiram colocar em seus planos de lutas, direitos sociais, políticos e conseguiram inclusive algumas conquistas importantes e que ainda não estão asseguradas no corpo das leis que regem o país hoje. Que pelo menos esta nova Constituição não comprometa as conquistas já conseguidas, como já disse, a duras penas.

Mas para que isso ocorra, face à correlação de forças bastante desfavorável à maioria da população brasileira (que é constituída de trabalhadores) é necessário que consigamos mobilizar a participação popular, a participação dos trabalhadores na discussão dos temas que necessariamente devem ser objeto da discussão dos constituintes. E que devem, naturalmente, condicionar o produto final desse trabalho do Congresso Constituinte, quando da promulgação de uma nova Constituição.

Discurso em Plenário sobre encontro das Comissões da Verdade de todo País



Sr. Presidente, colegas Parlamentares, senhoras e senhores telespectadores, nos próximos dias 27 e 28, as Comissões da Verdade, criadas pela sociedade civil em todo o País, vão reunir-se, pela primeira vez, para discutir o trabalho de integração de esforços em busca da verdade sobre crimes da ditadura militar contra os direitos humanos — crimes de lesa-humanidade — em complementação, em apoio ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade.

Por sinal, além de representantes das dezenas de comissões existentes em todo o País, estarão presentes também, no terceiro dia de trabalho (29), representantes da Comissão Nacional da Verdade. Eles pretendem acertar as ações conjuntas, para que, no tempo em que ainda resta de trabalho desta Comissão, consiga apresentar resultados concretos, dar mais visibilidade e apresentar relatórios parciais, a fim de que a sociedade acompanhe e entenda os resultados concretos que estão sendo levantados no final desses dois anos de trabalho da Comissão Nacional da Verdade.

Porque, senão, vai frustrar a sociedade brasileira, particularmente aqueles que lutaram, resistiram e foram vítimas do regime civil militar.

Para isso, a sociedade se mobiliza, inclusive em apoio à possibilidade e à necessidade de revisão da Lei da Anistia. Por sinal, há um projeto de lei tramitando nesta Casa, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, no sentido de que esse encontro nacional vai trazer aporte, elementos, contribuições e, mais que isso, força política da sociedade civil brasileira na perspectiva do cumprimento integral de uma missão histórica da Comissão Nacional da Verdade e também das comissões que estão se dando no âmbito da sociedade civil.

Agradeço a atenção de todos os presentes e daqueles que nos assistem pela TV Câmara.

Dep. Federal Luiza Erundina de Sousa 

Foto: Agência Câmara

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Resgatar nossa utopia


*Texto colaborativo escrito pela dep. Luiza Erundina que faz parte do livro "O que é ser esquerda, hoje?"



Quero saudar a realização desta Conferência que ocorre num momento de grandes desafios para o país e para a vida diária do nosso continente e do mundo. Porque – na minha avaliação – temos que reconstruir o projeto humano que está comprometido por esse modelo globalizado de economia e por uma postura do nosso governo, que atentam contra as conquistas da humanidade e contra as conquistas da cidadania do Brasil e do planeta.

Precisamos ter coragem de resgatar o sonho e a utopia socialistas, sem mediações, sem meios-termos e sem conciliações, para que possamos cumprir o papel que nos cabe nos dias de hoje no Brasil e no mundo. Papel de preservar valores de liberdade, de fraternidade, de democracia radical, de justiça social, de respeito humano, de respeito à pluralidade e, sobretudo, de resgatar o projeto de transformação do país na perspectiva de ver implementados esses valores nas políticas de governo, nas relações sociais, políticas e econômicas. Relações estas que lamentavelmente se acham atingidas por uma unanimidade em torno de um discurso único que não respeita a pluralidade, a diversidade e o acúmulo que a história da esquerda construiu ao longo das décadas dos últimos dois séculos e que é isso que nos coloca em um profundo impasse, numa verdadeira crise que nos desafia e nos estimula a retomar nosso projeto histórico.

Recentemente, vivenciamos um triste episódio na Câmara dos Deputados, que foi a frustração de se realizar uma reforma política. Evidentemente, o que mais uma vez foi aprovado, a partir de uma proposta original frágil, não conseguiu ir muito além de mudanças nas regras eleitorais e normas partidárias. Na verdade, trata-se de remendos, aqui ou ali, que não tocam nem tocavam na essência das distorções estruturais do sistema político brasileiro e do Estado, o qual está desatualizado quanto à demanda de uma sociedade profundamente atingida por fatores internos e externos que tornam obsoletos os modelos, os padrões e as pretensas soluções para os grandes impasses do país e da sociedade.

Vimos enfrentando, nos últimos trinta anos, a globalização econômica e a revolução tecnológica e científica, as quais vêm alterando as relações entre o capital e o trabalho. O sistema de produção foi profundamente impactado pela incorporação de novas tecnologias que modificam inclusive a estrutura social e a composição das classes trabalhadoras. Tudo isso, evidentemente, coloca a necessidade de profundas e radicais mudanças do Estado brasileiro, das instituições políticas e da vida social para que um novo marco institucional responda aos grande impasses, aos graves problemas  e aos enormes desafios que se colocam para cada um de nós e, em particular, para os partidos políticos.

As representações políticas do nosso campo, da esquerda, não podem coonestar uma política que simplesmente reproduz a dominação e os privilégios e a concentração de poder em todos os sentidos. Desta forma, a nação brasileira se vê decepcionada, particularmente as esquerdas, diante de uma expectativa que se frustrou – um governo democrático e popular de esquerda que, evidentemente, não teria condições de fazer grandes rupturas porque as relações de força não se alteram nas últimas décadas, mas pelo menos se imaginava ser possível introduzir algumas cunhas no processo de mudança de cultura política, na forma de estabelecer a relação povo/governo, de estabelecer mecanismos de controle e de participação popular, para que, de fato, o compromisso de mudança começasse pela aliança do governo com os trabalhadores, setores populares e com a sociedade civil, que foram os grandes responsáveis para que chegássemos ao governo, dentro de um projeto centrado em uma perspectiva de mudanças estruturais no país, o que lamentavelmente não ocorreu.

Hoje, os setores mais esclarecidos do povo se veem numa situação absoluta de desesperança e nós não podemos permitir que esse sentimento nos contamine porque a desesperança é reacionária, é conservadora, nos imobiliza, nos tira a autoestima e a esperança coletiva de vida e por isso temos que, de novo, retomar  esse projeto a partir de um novo ciclo histórico social e que as bases e o ideal do socialismo se proponham como inspiração e razão de ser, com motivação que nos ponha em marcha junto ao povo, para que esse povo, novamente, resgate a sua autoconfiança e acredite de novo na sua força, porque o povo é quem muda.

Nenhum partido, nenhum governo muda, a não ser junto com o povo.

É preciso que se retome o curso da militância e se coloque junto ao povo com uma ferramenta pedagógica para ajudá-lo a resgatar a sua autoconsciência, a consciência do seu valor e dos seus direitos, e ser capaz de apontar um rumo, para que esse povo junto possa fazer as mudanças tão aguardadas, tão ansiadas e tão necessárias para nosso país.

Precisamos resgatar essa utopia, expressá-la no cotidiano da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, das mulheres e dos homens, dos jovens, dos velhos e das crianças, dos brasileiros e brasileiras de um modo geral, no sentido de voltar a fazer com que as pessoas acreditem de novo que é possível mudar, que é possível conquistar cidadania para todos, que é possível garantir dignidade para homens e mulheres desse país.

Finalmente, permitam-me registrar que essa Conferência Nacional de Mulheres, tão desigualmente tratadas nesse país machista. Certamente, um partido de esquerda democrática precisa ter no seu ideário, na sua plataforma de lutas, no seu compromisso com a sociedade, a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, negros e brancos, jovens e velhos, ou seja, igualdade e cidadania para todos.