Lembro-me com grande emoção da chegada das festas de fim de ano, em Belém, quando era criança. A comunidade inteira se mobilizava durante os dias e semanas que precediam a noite de Natal nos preparativos para a celebração do nascimento do Menino Jesus.
Famílias pobres como a minha faziam as contas para ver quanto sobrara da venda do algodão colhido na última safra para as despesas extras com a compra de uma muda nova de roupa para cada membro da família: vestido para a mãe e as meninas; calça e camisa para o pai e cada um dos filhos homens. Tudo muito simples, conforme nossas posses e como simples e pobre era o Menino que ia nascer numa manjedoura.
Após ansiosa espera, chegava finalmente a grande noite – a noite de Natal. A Vila de Belém toda engalanada; o manzape de farinha de mandioca, recheado com castanha-de-caju, assado no forno à lenha, já estava pronto, bem como os sequilhos de goma, verdadeira delícia que se desmanchava na boca da gente.
O mercado se enchia de bancas, montadas para a venda do que era trazido da roça durante a noite e o dia seguinte da festa. Tinha tudo o que quisesse comprar: feijão-de-corda e farinha de mandioca; broa, rapadura e cocada; alecrim, canela e fumo de rolo; gaiolas com passarinhos das mais variadas espécies alegravam a meninada que, em algazarra, corria solta entre as bancas espalhadas pelo mercado.
Dona Enedina, minha mãe, cafezeira respeitada, tinha sua banca num canto junto de uma das duas portas de entrada do mercado, onde vendiam café e bolos feitos por ela na véspera da grande noite.
Por outro lado, mestre Tonheiro, meu pai, celeiro famoso, por suas celas não machucarem o lombo dos animais, atendia seus fregueses num “quarto” que ficava numa das esquinas do mercado, onde vendia celas e arreios de couro; sandálias de “currilepe” e indumentária para vaqueiros.
No início da noite, meu pai reunia a filharada para distribuir moedas de poucos réis a cada um como se fosse presente de Papai Noel que naquele tempo, não existia para nós nem mesmo como fantasia infantil, tal era a dureza da vida real que não comportava devaneio nem ilusões, como ficou demonstrado no decorrer da vida adulta, sem natais e sem presentes.
Depois de brincarmos até não poder mais e termos gasto o último tostão na feira comprando seriguela, pé-de-moleque e rosário do coco catolé, voltávamos para junto de meu pai que já tinha espalhado couros pelo chão do “quarto” para nos deitarmos sobre eles, onde dormíamos até o raiar do Dia de Natal.
À meia noite, os que não estavam trabalhando na feira iam à Igreja Matriz assistir à “Missa do Galo”, celebrada pelo Pe. Antônio Anacleto, querido vigário da paróquia de Jesus, Maria e José, para comemorar aos pés do presépio o nascimento do Menino Jesus. Era o coroamento das festas de mais um Natal na Vila de Belém, em comemoração ao Natal, ocorrido há dois mil anos atrás em outra Belém, e que revolucionou o mundo e mudou profundamente os destinos da humanidade.
*Publicado na Revista FELC - Março de 2012
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