*Publicado na Revista FELC em Janeiro de 2014
Três memoráveis acontecimentos marcam o calendário de Uiraúna neste ano de 2014, tornando-o inesquecível para todos os uiraunenses, tanto os que nasceram e vivem aqui, como os que, como eu, levados por variadas circunstâncias, migraram para outras plagas, mas suas raízes continuam fincadas no solo abençoado da morada do “Pássaro Preto”, bem como para os que para cá vieram e aqui constroem suas vidas.
Como abordar com a necessária competência, num espaço exíguo de uma crônica, fatos tão significativos, como:
- o centenário da Banda de Música Jesus, Maria e José;
- o sexagésimo aniversário da emancipação política de Uiraúna;
- os quarenta anos da Fundação Educacional Lica Claudino (FELC).
Procurei resgatar a memória sobre os aspectos mais relevantes de cada um desses fatos que compõem a parte bonita da história da nossa gente e da nossa cidade, certamente influenciada pelo imaginário de uma criança que aqui nasceu e onde viveu sua infância. Aliás, sempre que escrevo sobre Uiraúna me vejo de volta a um passado que, embora distante, continua presente e vivo na minha vida , conferindo-lhe sentido e despertando saudade.
A história aqui rememorada foi escrita por todos os cidadãos e cidadãs de Uiraúna, desde os mais conhecidos e importantes, aos mais humildes e anônimos, todos construtores desse patrimônio comum, precioso legado para as novas e futuras gerações.
Começo pelo centenário da Banda de Música batizada com o nome da padroeira da cidade - a Sagrada Família – Banda Jesus, Maria e José, cuja história se confunde com a própria história dessa pequena comunidade de pessoas simples e de grande valor pela tenacidade como enfrentam as adversidades de uma natureza hostil e de injustas relações econômicas e sociais que se reproduzem ao longo do tempo.
A Banda representa um valioso patrimônio da cultura paraibana e motivo de alegria para nossa gente e de orgulho e prestígio para a Paraíba pelo êxito alcançado para além das fronteiras do estado. Ao longo desses cem anos descobriu e formou jovens talentosos, com vocação e grande sensibilidade artística.
Mas nem tudo são flores na longa e gloriosa trajetória de nossa Banda. Assim como o povo sofre as maiores agruras causadas pela seca inclemente e precariedade das condições básicas de vida, os músicos que compõem a Banda também não dispõem de meios dignos e estáveis de existência que lhes permitissem dedicar-se integral e exclusivamente à música. A comemoração deste centenário deve servir também para se tomar consciência da responsabilidade de preservarmos esse inestimável patrimônio cultural de Uiraúna, que é a nossa Banda de Música que está entre as mais admiradas do país.
Ademais, não se deve relegar ao ostracismo ou permitir que se apaguem da memória das novas e futuras gerações os nomes dos músicos e maestros que foram os principais protagonistas da história de cem anos da primeira banda de música de Uiraúna, o que seria uma grave e imperdoável omissão e injustiça.
Há exatamente 100 anos, em janeiro de 1914, no lugarejo denominado Belém do Arrojado, então distrito de São João do Rio do Peixe, promovido, depois, à categoria de município com outro nome, Uiraúna, foi fundada pelo Padre Costa, com a colaboração dos músicos Marcelo Vieira da Costa e Zequinha Correia, a primeira filarmônica de Uiraúna, com o nome de “Banda Correia Costa”.
Porém, os pioneiros do projeto foram quatro músicos cearenses que, perseguidos por motivo de uma rebelião que, na época, ocorrera no Ceará, se refugiaram em Belém do Arrojado onde começaram o trabalho de formação da banda. Eram eles: Raimundo Sá, Luiz Barreto, José Brígido e José Passos.
A Banda funcionou durante treze anos, de 1914 a 1927, quando foi forçada a interromper suas atividades em razão da presença e perseguição de Lampião na região, e devido também ao retorno dos músicos cearenses a Missão Velha, sua terra natal.
Após o tempo em que ficou desativada e com o apoio do novo pároco, retomou suas atividades, com o nome, então, de Banda de Música Jesus, Maria e José, sob a orientação de Misael Gadelha, maestro da cidade de Sousa, que permaneceu três anos na regência da Banda.
O primeiro maestro filho de Uiraúna foi Neco Manuelzinho, um pequeno comerciante que tocava clarinete e tinha como contra mestre Zezinho Correia. Ele era casado com minha tia Lindarosa, irmã de minha mãe, Enedina. A partir de então todos os maestros que dirigiram a Banda eram filhos de Uiraúna, são eles: Misael Correia, Manuel Israel, Expedito Gomes, Ariosvaldo Fernandes, Dedé de Capitão, Valter Luz Alencar e Geraldo Moisés, o atual regente.
Em 1976 a Banda desligou-se da igreja e passou para o Governo Municipal onde permanece até hoje.
Naquele tempo, ainda não existia a profissão de músico. Eles aprendiam tocando na Banda que era contratada para festas de padroeiro e carnavais em Uiraúna e nas cidades vizinhas, pelo que os músicos recebiam apenas alguns trocados.
No ano de 1981, o então prefeito Antônio Aquino contratou os músicos por um salário inferior ao mínimo da época, o que de qualquer forma representava uma ajuda, embora pequena. Essa política continuou na gestão seguinte do prefeito Geraldo Nogueira que chegou a realizar concurso público para preenchimento de vagas na Banda. Hoje, porém, ela enfrenta extrema dificuldade para se manter.
Em Uiraúna, conhecida como a terra dos músicos, existem quatro bandas, a saber: Banda de Música Jesus, Maria e José; Banda Ariosvaldo Fernandes; Banda Marcial Constantino Fernandes Queiroga e Banda Marcial José Alencar. A primeira, participou de vários concursos de bandas de música, colocada, sempre, no primeiro ou no segundo lugar, graças ao talento dos seus músicos, vários deles com passagem por importantes bandas do país. As melhores músicas do seu repertório estão gravadas num CD lançado em 2003.
Registre-se ainda a criação da Sociedade de Difusão Artística de Uiraúna – SODAU, com a finalidade de divulgar, formar e descobrir novos talentos musicais e angariar recursos, sobretudo, junto ao Poder Público.
Agradáveis lembranças nos veem à mente e ao coração em momentos de celebração como este, trazendo de volta um passado distante, repleto de imagens e vivências que nos enchem de saudade e de vontade de viver tudo de novo. Quem não se lembra das alvoradas ao raiar do sol, quando a Banda passava tocando para acordar a cidade e anunciando a chegada do dia da festa? Quem, quando criança, não se juntou à meninada que, alvoroçada, corria atrás da banda que passava “cantando coisas de amor”? Esses são os sentimentos que, creio, dominam a todos nós, uiraunenses, ao celebrarmos o centenário da nossa querida Banda de Música Jesus, Maria e José.
Os três importantes eventos que Uiraúna comemora em janeiro de 2014 estão relacionados entre si e se integram como capítulos de uma mesma história que o seu povo vem construindo ao longo dos últimos cem anos e que continua através das sucessivas gerações, seguindo a lógica da espiral dialética da história.
O centenário da Banda de Música Jesus, Maria e José foi o primeiro capítulo tratado nesta crônica e sua história revela a vocação musical dos uiraunenses e o perfil característico de Uiraúna conhecida como a “terra dos músicos e sacerdotes”, em razão do grande número de padres que saem de lá e o reconhecido talento de seus músicos, o que, de certa forma, explica o fato de existir na cidade quatro Bandas e uma Escola de música que forma jovens profissionais, e que contribui para manter a posição de destaque de Uiraúna na vida cultural do estado da Paraíba, com repercussão no país.
Abordo, a seguir, o segundo evento importante, a comemoração dos sessenta anos da emancipação política de Uiraúna, que, na linha do tempo e como fato histórico, está dentro dos 100 anos de história que este relato abrange.
Um pequeno lugarejo chamado Belém do Arrojado foi o núcleo populacional que deu origem à Cidade de Uiraúna, e que começou com os índios Icós, da tribo dos Cariris Velhos que escolheram aquele lugar atraídos pelo Rio do Peixe que passa pela região e que, naquele tempo, era o principal meio de sobrevivência. Daí vem o nome Uiraúna que é como os indígenas denominam alguns pássaros de cor preta da família dos Icterídeos e que, para mim, o lugar onde nasci passou a ser a “a Morada do Pássaro Preto” – Uiraúna.
Com o nome de Belém, depois Canaã e por fim Uiraúna, a cidade foi fundada em 2 de dezembro de 1953, portanto, há exatos sessenta anos, data de sua emancipação política, conforme Lei Estadual nº 972, sancionada pelo então governador da Paraíba, José Fernandes de Lima. Em 27 de dezembro do mesmo ano foi empossado o primeiro prefeito da cidade, o norte rio-grandense Adolfo Rodrigues.
A autonomia política de Uiraúna foi fruto de uma luta de vários anos e teve à sua frente o médico Oswaldo Bezerra Cascudo que contou com o apoio do então deputado estadual Fernando Carrilho Milanez. O Dr. Oswaldo Cascudo era do Rio Grande do Norte, mas radicado em Uiraúna onde durante toda sua vida exerceu a profissão de médico e lá também atuava politicamente, tendo sido, inclusive, prefeito da cidade.
Por fim, concluo esta crônica, com o terceiro e importante acontecimento histórico que, junto com os outros dois, marca a agenda de Uiraúna no ano de 2014, ou seja, os quarenta anos de fundação da FELC – Fundação Educacional Lica Claudino, fundada em 1974, em Uiraúna, por iniciativa e inspiração de João Claudino Fernandes que, além de grande empresário brasileiro, dirigindo uma vasta rede de negócios em todo o país, se preocupa e investe na melhoria das condições de vida do nosso povo, promovendo a realização de inúmeros e inovadores projetos socioculturais que beneficiam vários municípios da Paraíba, principalmente Uiraúna.
Tudo começou com a criação, em 1974, da Escola Profissional Lica Claudino que, em 2004, se transformou na Fundação Educacional Lica Claudino que, ao longo das últimas quatro décadas, desenvolve um excelente trabalho de educação profissional de nível técnico, formando crianças, adolescentes e jovens, não só no domínio de artes e ofícios, mas, sobretudo, no exercício de sua plena cidadania.
Sob a direção competente de sua Diretora, a Senhora Fátima Claudino, e uma equipe de professores e funcionários igualmente comprometidos e dedicados à causa da educação, tem-se muito a comemorar neste quadragésimo aniversário da Fundação Educacional Lica Claudino, que beneficia enormemente, não só a população de Uiraúna, mas seus benefícios se estendem a vários outros municípios da região.
Enfim, como filha de Uiraúna e cidadã brasileira agradeço a Deus o privilégio de viver esse momento especial de celebração de memoráveis fatos históricos, relacionados ao nosso povo, e que nos orgulham a todos, ao mesmo tempo em que confirmam sua inteligência e determinação ao transformar adversidades e obstáculos em trampolim para alçar voos rumo ao futuro nas asas do “Pássaro Preto”, portador de esperança e de boa nova. Salve Uiraúna!!!