Revista Caros Amigos Maio de 2007
Com mais de quatro décadas
de vida política, a paraibana Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSB de
São Paulo, não é triunfalista sobre seu passado – Foi a primeira mulher
prefeita da terceira maior cidade do mundo e ministra de Estado – Nem alimenta
ilusões sobre o seu presente, como integrante de “um partido como outro
qualquer”. Pelo contrário, ela aposta suas fichas no futuro, mas não por
enquanto, num novo partido, e sim nos movimentos sociais, a partir dos quais
acha que surgirá um novo ciclo na vida política e principalmente social e
econômica do Brasil. O ciclo anterior, que vai dos movimentos que confluíram na
fundação do PT até o governo Lula, para ela, está esgotado. Assim como os
partidos hoje seria todos “farinha do mesmo saco.” Nesta entrevista ela faz
ainda uma revelação. A história verdadeira das ligas camponesas dos anos de
1950 e 1960 ainda está para ser contada. Foi cheia de chacinas e cabeças
cortadas.
Lição
de política
Marina
Amaral
De
que cidade a senhora é e como foi sua infância?
Uiraúna, uma cidadezinha no
sertão da Paraíba. Meu pai era agricultor e artesão. Trabalhava com couro,
tinha a fama de ser um celeiro cuja sela não machucava os animais. E no período
de plantação ou de colheita trabalhava como agricultor de subsistência. Éramos
uma família pobre e muito numerosa, dez filhos, e ele a cada seca nos levava
para algum lugar não muito distante.
Marina
Amaral
Vocês
iam como?
As crianças iam do dorso de
animais – que eram poucos – e os adultos a pé, até chegar num ponto para tomar
um trem que nos levava para algum destino. Meu pai tentava chegar já com um
contato, através do qual conseguia algum trabalho, mas em situações as mais precárias,
as mais inseguras e mais difíceis. A maioria dos parentes em Uiraúna vivia esse
drama, e desde muito cedo tomei consciência disso. Me lembro daquelas noitadas,
mamãe preparando a comida levada em lata para comermos na viagem e a família
arrumando os troços pra fazer a arribação. Outra coisa que marcou muito a minha infância foi a preocupação se viria
ou não a chuva. Desde pequenos aprendíamos a verificar os sinais de chuva, ou o
contrário.
Marcos
Zibordi
Quais
eram?
A cor do sol no fim da tarde,
o vento numa certa direção, uma determinada ave que aparecia cantando e marcava
a presença da seca – aquilo era o nosso cotidiano. Desde muito pouca idade
tomei consciência de que aquilo não era uma situação justa, normal, igual para
todos. Embora fosse uma pequenina comunidade, havia diferenças porque algumas
famílias não precisavam sair caso não chovesse, enquanto a minha e a da maioria
precisavam sair. Outra coisa que me marcou muito era que ali na comunidade
tinha uma rua onde ficavam segregados os
negros. Chamava-se Rua dos Negreiros. Eles podiam transitar pela cidade,
trabalhar na casa dos brancos – famílias igualmente pobres como a minha-, mas
tinham que morar naquela rua. Esses sinais contribuíram para eu tomar
consciência de que as coisas tinham que
mudar. E o meio de que eu poderia dispor pra tentar mudar aquilo era o estudo.
Thiago
Domenici
Como
era o estudo? Como a senhora tinha acesso aos livros?
Primeiro, eram escolas
públicas de um nível excelente. Aprendi gramática, aritmética, sobretudo gramática,
linguagem, no curso primário. Você saía com aquela base geral, o domínio das
técnicas de leitura, de escrita, de comunicação oral, de cálculo aritmético, um
domínio de enorme valor para o resto da vida, o que hoje a rede pública não dá
mais.
Ferréz
Seu
pai então não era um homem comum, porque naquela época os homens achavam que a
mulher não tinha que estudar.
Ele era uma pessoa
diferenciada. Um artista. Ele via a minha vontade de ir para o colégio e aí
disse: ”Você vai, e se não chover você vem no meio do ano e não volta, porque
se não chover a gente não tem como te manter”. Era na casa da minha tia, não
gastava nada, só a viagem, o livro, o uniforme, era o mínimo, o básico, mas
mesmo assim era muito para o orçamento familiar. Quando voltei para as férias e
meu pai via o meu entusiasmo, ele dizia: “Agora, chova ou não chova, você vai
estudar”. Por que estou insistindo nisso: É a ideia de que a chuva era uma
questão central na vida da gente até para ter oportunidade de estudar, que era
o apelo mais forte. Então, tudo isso me formou e me deu uma consciência de
classe. Eu não tinha projeto de ir para partido, de ser isso ou aquilo; esse
sentido de justiça, essa vontade de mudar as coisas e de me colocar no centro
do processo não foram fruto da influência desse ou daquele. Devo o que sou hoje
como consciência política, e como sujeito político na história, à minha origem
de classe e a compreensão, desde muito cedo, de que as coisas não tem que ser
daquele jeito, não há um destino, não há uma fatalidade. Tanto que fugi daquele
modelo de ser a mulher que casa muito cedo pra ter uma filharada e reproduzir o
modelo.
Thiago
Domenici
A
senhora terminou o curso colegial?
Terminei o curso colegial e
fiquei nove anos sem estudar, porque não tinha condições de fazer o vestibular.
Quando consegui fazer universidade, já não fazia mais sentido fazer medicina –
como antes eu havia pensado – porque já estava envolvida nas lutas. Foi o meu
momento de me envolver nas lutas e aí tinha uma dimensão de Igreja, porque a Igreja
no Nordeste, na Paraíba em particular, teve sempre uma presença muito ativa no
meio rural, na luta dos trabalhadores rurais.
Marcos
Zibordi
A
senhora se envolveu com as Ligas Camponesas?
Não propriamente as Ligas
Camponesas, mas com os camponeses que
restavam das Ligas e que eram muito perseguidos. A Igreja tinha um trabalho
para continuar mantendo esses
trabalhadores juntos e tentando que a
chama da luta não se apagasse, e nós íamos muito ao campo, à roça. Eles tinham
pavor, porque as Ligas Camponesas dizimaram trabalhadores naquela época. As
histórias das Ligas Camponesas não foram de todo contadas. Eu tinha um primo
que era médico, trabalhava na cidade de Sapé, onde foi o Foco das Ligas
Camponesas, e ele diz que transportou nas ambulâncias muitos camponeses
perseguidos, que assistiu a coisas terríveis, decepamento de cabeça de
trabalhadores rural, uma coisa. Até hoje não se contou devidamente isso. Então
ficou um pavor no meio dos trabalhadores rurais que quando se pergunta: “Você é
camponês?” “Não, não sou camponês.”
“Você trabalha em quê?” Trabalho na roça, mas não sou camponês.”
Sérgio
Kalili
A
senhora foi convidada a afazer política ou procurou os movimentos sociais?
Procurei os movimentos sociais. Nenhum partido ma procurou.
Marcos
Zibordi
Antes
do PT?
Antes, até porque sou fundadora do PT, né? Vim
do movimento sindical, tive uma militância como assistente social. Vim do
nordeste fugindo da perseguição política. Porque uma freira muito amiga minha
tinha um parente do 4º Exército lá em Recife e o consultou da minha situação
nos meios de segurança. Ele recomendou que eu saísse de lá, porque já começavam
a desaparecer pessoas, companheiros nossos, lideranças...
Marcos
Zibordi
A
senhora foi nomeada secretária de Educação e Cultura de Campina Grande aos 24
anos, antes ainda de ter feito universidade...
Mas não dizem que em terra
de cego ter um olho faz diferença? Não é que eu fosse uma pessoa especial, quer
dizer, acho que aquela minha ousadia, minha inquietude, aquela vontade de
questionar terminavam me sobressaindo, terminavam suprindo um vazio que havia
na própria localidade do ponto de vista de quadros. Então, pra tentar sair
daquele cerco da perseguição política, vim em 1968 fazer mestrado na Fundação
de Sociologia e Política de São Paulo, com bolsa da CAPES, em nível de
pós-graduação. Fiquei em 1968, 69, apresentei tese e voltei pra lecionar – era
a primeira mestranda em ciências sociais lá – na Universidade Federal da
Paraíba.
Marcos
Zibordi
Qual
foi a tese da senhora?
Era ligada à minha
experiência prática de serviço social. Bom, voltei para lecionar na
Universidade Federal da Paraíba e preparei programa, frequentei as reuniões do
departamento, quando chegou numa sexta-feira em que eu ia assumir a cadeira,
recebi um recado um recado da diretora de que eu tinha sido vetada pelos
serviços de inteligência do Exército e o reitor, que era militar, estava
cumprindo determinação, o veto, “por restrições ideológicas” etc. Então tive
que vir para cá, porque lá o cerco foi se fechando, mas voltei muito triste.
Lembro que fui tomar um ônibus em Recife, que não tinha ônibus direto de João Pessoa pra São Paulo, e vinha
muito magoada e com o sentimento de TR deixado a luta prá trás, vinha mal comigo
mesma, não queria vir. E eu era funcionária do INPS na época e soube de um
concurso que ia ter aqui pra assistente social do INPS, fiz a inscrição, fui
classificada, muito bem classificada, mas me puseram no setor de contabilidade,
pra fazer cálculos atuariais de benefícios. Era um horror. Ficava na Avenida 9
de Julho, então pegava o ônibus naquele viaduto da 9 de Julho, não tinha roupa
adequada, um frio desgraçado...
Sérgio
de Souza
Veio
morar onde?
Eu morava no Jabaquara, na
casa de uma amiga de uma prima minha. Na mesma época teve um concurso prá
assistente social na prefeitura, consegui uma boa classificação e fui trabalhar
e me lotaram nas favelas. E o que fui encontrar nas favelas? O mesmo povo que
estava lá no Nordeste sem terra. Porque na época o programa da Sudene era plantar capim, pra criar boi, a pecuária
era o forte, e os camponeses eram expulsos do latifúndio pros grandes centros
urbanos e iam se amontoar nas favelas e
cortiços
Que começavam a ter uma
expressão mais grave do que até aquele tempo, quando era um núcleo de barracos.
Aí entendi, a questão é a mesma: terra no campo pra trabalhar, que não tem; e
terra na cidade pra morar, que não tem. E terra sobando lá, terra sobrando
aqui, logo, é a mesma luta: a luta pela reforma agrária, pela reforma urbana,
pela propriedade da terra, seja no campo, seja na cidade.
Ferréz
A
senhora lembra de algumas favelas?
Sim, sobre na zona leste.
Vila Prudente, no sul da cidade. E tinha favela Marcondes, no norte da cidade,
onde eu trabalhava também. Foi uma das primeiras experiências de urbanização de
favela, e aí já era uma relação conflituosa, porque a ditadura fazia o controle
das ocupações das terras no centro urbano, e aí foi a primeira luta nossa, porque até a
associação dos assistentes sociais estava desativada havia oito anos por
perseguição da ditadura. E a gente começou a ter conflito no ambiente de
trabalho com os secretários nomeados pelos ditadores, prefeitos biônicos, havia
o coronel Ávila, um dos torturadores do tempo da ditadura, foi secretário da
área de serviço social. Aí a gente viu a necessidade de recriar a Associação
Profissional das Assistentes Sociais de São Paulo. E fui ser presidente desta
associação, com outros e outras colegas bem mais jovens que eu. Era mesmo uma
diferença muito grande, mas eram as que estavam, inclusive, na luta
clandestina, nos partidos clandestinos...
Sérgio
de Souza
A
senhora não entrou em nenhum partido clandestino?
Não sei como escapei, viu?
Não que não quisesse, mas não me lembro de ter tido um convite. A gente era uma
força auxiliar desses grupos que viviam na clandestinidade. Porque a
perseguição a nós não havia chegado, eu não tinha militado em nenhum partido
político, Partido Comunista do passado. Portanto, as implicações políticas e
ideológicas minhas eram de outra natureza, não tinham o nível de gravidade que
eles atribuíram a outros que estavam na militância clandestina mesmo.
Thiago
Domenici
Então,
a senhora nunca chegou a ser presa, ou sofrer interrogatório...
Não, respondi a processos
por greves. Como presidente da associação comandei greve no município, feita
junto com greve no Estado, aquela célebre greve do funcionalismo de São Paulo
em 1979. Como funcionária pública. Greve contra um decreto do Olavo Setúbal –
prefeito biônico – proibindo a ocupação das terras públicas vazias e atribuindo
aos assistentes sociais a ida com a polícia pra convencer os ocupantes a saírem
da terra. E a greve foi instrumento importantíssimo para nos aproximar dos
trabalhadores que resistiam nas fábricas, o Lula inclusive. E o Lula tinha uma
queixa dos assistentes sociais e nós dele, porque havia denunciado, numa das
assembleias na Vila Euclides, que a Volkswagen havia contratado 2.000 assistentes sociais , ou mil, pra
convencer metalúrgicos a furar a greve. Ficamos muito mal. Aí chamamos o Lula
para o encerramento do congresso, como um dos membros da comissão de honra. E
no discurso de encerramento a gente disse:
“ Tem assistentes sociais e assistentes sociais. Os que estão do lado do
patrão e os que estão do lado do
trabalhador. E vocês são essas assistentes sociais que estão do lado do
trabalhador”. Foi quando o conheci pessoalmente. No dia seguinte ele mandou um
mensageiro dizendo: “Estamos planejando a criação de um partido, se você não
tiver compromisso com outro partido ou com algum grupo clandestino, se quiser
estar junto...”. E aí foi quando a gente começou a construir o PT. Uma bela
experiência, uma experiência de luta real do povo, não era só o sindicalizado,
não era só o dirigente sindical, era o povão que sustentava o fundo de greve,
que sustentava o fundo de greve, que sustentava a barra em casa, a mulher,
enquanto o marido estava fazendo greve e
não estava recebendo salário, diferentemente dessas lutas que se fazem hoje.
Foi a raiz de um partido que construiu esse projeto político que culminou na
eleição do Lula e representou, na minha avaliação, um ciclo que termina com o
governo Lula. E agora se inicia um novo
ciclo que precisa articular as forças vivas da sociedade que tenham um
compromisso democrático e popular, pelo menos.
Thiago
Domenici
O
fim do ciclo significa uma mudança de comportamento do Lula?
Não, o PT cumpriu um papel
nesse ciclo, foi um instrumento importante... E Lula também, mas PT e Lula são
outra coisa, não sei se eles se engajariam ou se têm pretensões, ou se têm
apelo pra um outro processo histórico, acho que tem que vir de lá de novo, é o
MST, são outras forças vivas da sociedade, que continuam resistindo...
Marina
Amaral
Por
que foi que a senhora saiu do PT?
Porque o PT já não era
aquele PT que ajudei a fundar.
Marina
Amaral
Quando
a senhora percebeu isso?
Foi como prefeita, as
exigências que o partido fazia à militante do governo já não correspondiam às
nossas origens, nossos compromissos, nossos sonhos, à nossa utopia, à nossa
visão de mundo, à nossa visão de poder, à nossa visão de política que era uma
visão pedagógica. A gente não tinha muita preocupação em ser candidato, em se
eleger. Inclusive a proposta do PT naquela época era: “Não pode ser candidato
duas vezes”. É candidato uma vez e deixe o lugar pro outro. O mandato é uma
forma de militância, como tem no sindicato, na luta do povo. Portanto, o
militante não pode se cristalizar no mandato. Por que não acreditávamos na
institucionalidade burguesa. E o institucional, a partir de certo momento,
passou a se sobrepor à presença da força política que nós éramos na luta direta
com o povo. Portanto, o militante não pode se cristalizar no mandato. Por que
não acreditávamos na institucionalidade burguesa. E o institucional, a partir
de certo momento, passou a se sobrepor à presença da força política que nós
éramos na luta direta com o povo. Aí nos encastelamos nos espaços
institucionais, de vereador, de deputada estadual, deputado federal, prefeito,
governador – ainda muito poucos -, isso antes de a gente chegar na prefeitura,
mas tendo consciência de que aquilo era um dos espaços, e não o principal.
Hamilton
Octavio de Souza
Na
gestão da prefeitura, a senhora teve atrito com a direção do partido?
Porque a direção já estava
com outro projeto, sobretudo a direção municipal. A preocupação era com as
disputas eleitorais pra presidente da República. E aí a lógica eleitoral, a
lógica partidária se sobrepuseram à lógica do projeto original do PT. Isso
começou em 1989, foram três eleições
presidenciais, uma eleição para governador e uma prá minha sucessão.
Eleição demais para um período de quatro anos. E todas eram de pressão sobre o
governo municipal, pra fazer o que o PT faz hoje nos governos.
Marcos
Zibordi
O
que o PT faz hoje nos governos?
É exatamente se colocar a
serviço de reeleições, de eleições, e aí vale tudo, vale inclusive uma base uma
base de governo com essa heterogeneidade que existe hoje. Eu não diferencio o
PT dos outros partidos, inclusive o PSB, No rijo, onde é que estamos nisso? O
PMDB tendo a hegemonia, tendo o controle do aparelho de Estado a serviço de um
projeto de poder, não vai além de um projeto de poder. É pra isso que elegemos
o Lula? Foi prá isso que fizemos toda essa luta? Eu acho que não.
Sérgio
de Souza
Como
a senhora se situa então dentro do PSB?
Olha, eu sou isolada, ainda
agora fui entrevistada pela CBN, que queria me ouvir sobre um documento que o
PSB, mais o PC do B, mais o PDT estavam produzindo, afirmando um apoio ao
governo Lula, porém mantendo uma certa independência. Eu disse que não sei
desse documento, embora eu seja da executiva nacional do partido, não fui
consultada, como não sou consultada em nada. Mas é o preço da independência. Se
não participo das decisões políticas, não participo do poder. Pelo menos até
agora não me expulsaram, Né? Por exemplo, trabalho com o pessoal do PSOL, com
setores do PT, continuo com o mandato muito vinculado aos movimentos sociais. É
isso que me ajuda a sobreviver e produz resultado num certo sentido . Até porque o PSB, o PT e
os demais não se diferenciam do PSDB, até do Demo agora, Né..., é a mesma
coisa, eles conversam entre si como se o projeto fosse o mesmo. Essa é a grande
tragédia que vivemos hoje. Por isso, a gente em que olhar para o que está
acontecendo fora dos partidos, fora dos espaços institucionais. É estar
ajudando a sobrevivência desses movimentos que vão, logo, logo, ser...
João
de Barros
A
Conlutas seria um exemplo?
O próprio MST, que tem suas
extravagâncias, falta um pouco de habilidade política, até pra fazer o jogo de
poder e acumular forças. Às vezes eles assumem certas posições extremadas que
os indispõem com aliados táticos. Esse governo é um aliado tático do movimento.
Porém até um certo limite, porque o movimento não é uniforme, não é homogêneo, ele
tem contradições dentro dele. Então, ficar esperando indefinidamente uma
reforma agrária... Não é só a reforma agrária, é a política econômica que está
aí. Que não é uma política que desconcentra riqueza, não é uma política voltada
para o desenvolvimento do país. Esse PAC não passa de medidas
econômico-financeiras de investimentos e
infraestrutura, sem tocar no superávit primário, que é pra poder preservar o
ajuste fiscal, enfim, não é diferente do governo Fernando Henrique Cardoso.
Espero que, como história, como compromisso de vida, esse governo Lula comece a
fazer uma inflexão à esquerda. Porque se não for pra isso...
Marcos
Zibordi
Ainda
falando desses movimentos fora dos espaços constitucionais, qual a visão da
senhora sobre o movimento hip-hop?
Olha, nós d esquerda, que
militamos e vivemos essa trajetória, somos tão atrasados politicamente que até
pouco tempo atrás a cultura era como se fosse um luxo. Na concepção da luta de
classes pelas mudanças não aparecia pra nós o dado cultural. Foi a partir do
nosso governo, e muito por influência da Marilena Chauí, na política de
cidadania cultural que ela desenvolveu na Secretaria de Cultura. Pra mim foi
muito claro, tomei consciência de que a cultura é tão ou mais importante do que
a creche, do que o posto de saúde, sobretudo pra um grupo político que pretende
transformações substanciais na sociedade sem romper com as determinações
cultuais, com os valores, com o comportamento, com os conceitos. É a cultura
que deve permear todas as ações, eu dizia que no governo até o faxineiro, o
jardineiro, ele tem que ser orientado e inserido n ação de governo a partir de
uma concepção cultural. É o que Paulo Freire (foi secretário de Educação de Erundina) fazia, ele considerava
educador e tratava como tal o vigia da escola, a cozinheira da escola, porque
todos eram sujeitos que educavam na relação com os educandos.
Marina
Amaral
A
senhora falou que o importante não era o mandato. Isso não se choca um pouco com o problema que a senhora teve
com o PT justamente por aceitar um ministério no governo Itamar?
Veja bem: O Barelli foi
indicado pelo Lula pra ser ministro do Itamar. Vários delegados regionais do
Trabalho foram indicados por Lula, pelo PT etc. Luiza Erundina é que não podia,
porque Luiza Erundina acabava de sair da prefeitura tendo deixado uma
experiência que marcou a vida da cidade. Não fiz vergonha nem aos petistas, não
fiz vergonha às mulheres, não fiz vergonha aos nordestinos, não fiz vergonha à
esquerda, desculpem a falta de modéstia. E aquela experiência não foi uma
experiência do PT, foi uma experiência das esquerdas – pela primeira vez na
América Latina, talvez, terem a oportunidade de dirigir uma das maiores cidades do mundo. O PT não
entendeu isso. Primeiro, eles não queriam que eu fosse candidata, disputei uma prévia – a primeira
vez que o partido fez uma prévia – com um paulista quatrocentão de muito valor, maravilhoso, que é o Plínio
de Arruda Sampaio. Para o partido, o Plínio era muito mais assimilável ao eleitorado
paulistano, por ser paulista, por ser homem, por ter uma história, portanto,
uma figura respeitável, enquanto a Luiza Erundina eles viam como agitadora das
favelas, subestimavam a minha capacidade. “Tudo bem com você apoiar as invasões
de terras nas favelas e ir lá brigar com a polícia para não derrubar os
barracos, mas candidata prefeita de São Paulo?” Foram as bases do partido que
impuseram a minha candidatura.
Sérgio
de Souza
A
senhora poderia dizer quem eram “eles”?
Eram os dirigentes, era
Lula, Zé Dirceu, Falcão e todos que ainda hoje dirigem o partido. Estão lá, são
os mesmos, só que a cabeça está mais branca.
Marina
Amaral
Não
a queriam candidata à prefeitura por causa de linha de pensamento diferente, ou
era uma...
Era uma disputa de poder,
interna. “Imagina, você ganhar a prefeitura de São Paulo...” Inclusive fui
cobrada por companheiros depois da prévia, que me chamaram pra uma reunião e
disseram: “Você acabou de comprometer o projeto das esquerdas do Brasil”.
Andrea
Dip
Quem
disse isso?
Um companheiro. Não convém
falar, não. Me chamou numa reunião na casa de uma companheira pra dizer assim:
“Você acabou de destruir o projeto das esquerdas no Brasil por TR insistido
nessa candidatura a prefeita”. E outro, que depois, nas primeiras dificuldades
de governo disse: “Quem pariu Mateus que o embale”. Era isso que diziam pra
mim. Mas não tenho ressentimento, porque acho que é da natureza humana. Sobretudo
quando no meio tem o poder. Eu inclusive, todos nós. Não estou escandalizada,
só estou situando. Primeiro, não era eu que teria que ser; segundo, não era pra
dar certo; e terceiro, que eles nunca reconheceram aquele governo como sendo do
PT. Tanto é que nas várias campanhas do Suplicy e do próprio Lula não tinham o
menor interesse em promover aquilo que era justo, importante, o método de
gestão, a relação com o povo, os conselhos populares que criamos, o
fortalecimento das administrações regionais, até porque não era um trabalho
meu, era de uma equipe. Um Paulo Freire, uma Marilena Chauí, um Paul Singer, um
Paulo Sandroni, uma Ermínia Maricato, é um ministério que qualquer governo
gostaria de ter. Pena que o ministério do Lula não tenha esse padrão.
Ferréz
E
como seu governo deu certo, apesar de todos esses boicotes?
Tinha uma equipe muito comprometida
e a luta política do partido não se transferiu para o governo, embora cada um
de nós fosse articulado com um grupo. Por exemplo, o primeiro escalão fui eu
que escolhi. O segundo escalão – no fundo, o primeiro, que são os
administradores regionais, pois tem uma relação direta com o povo – foi o
partido que escolheu. E foi o que não deu certo, porque a luta
política-partidária se sobrepôs ao interesse da comunidade, aos interesses do
governo.
Marina
Amaral
A
senhora diz que o PT não aproveitou essa experiência. E em Porto Alegre essa
experiência foi aproveitada?
Veja bem, o Lula não veio
para a minha posse, foi para a posse do Olívio Dutra, em Porto Alegre. Foi mais
importante prestigiar o Olívio Dutra do que eu. E a experiência de orçamento
participativo começou em São Paulo. Ninguém fala nisso. Claro, limitado, uma
cidade, na época, de 9 milhões e 500.000 habitantes e sem tradição de
democracia direta participativa, como você vai discutir um orçamento? Mas o
embrião foi ali. Paul Singer, como secretário de planejamento, era quem, junto
com os técnicos dele preparava as plenárias regionais para discutir o orçamento
da cidade. O diagnóstico que embasava o orçamento da cidade era construído com
a população nas plenárias populares. E nunca o PT mostra isso. Aí é Porto
Alegre.
Marina
Amaral
E
como a mídia da época tratou o seu governo?
Tem dois lados. A mídia não
tinha interesse nenhum de ajudar, de reconhecer, de tolerar, de não atrapalhar.
Não tinha mesmo. Não digo os jornalistas profissionais. Nós erramos na política
de comunicação. Porque a gente, a esquerda mais pra trás, tinha horror à mídia,
acha que a mídia é sempre inimiga da esquerda, acha que o profissional é a
mesma coisa que o patrão na má vontade com
os governos de esquerda, e isso não é verdade. Então não abríamos espaço pra mídia, era chatura
toda vez que procuravam a gente, se o jornalista amigo nosso queria ajudar era
como se fosse o patrão. Não tivemos uma política de comunicação competente. E
também aquele escrúpulo: se tem tanta criança sem creche ainda, tanta gente sem
um leito hospitalar – apesar de termos feito seis hospitais -,se está faltando
moradia, pra que gastar tanto em comunicação? Mas só que você não gastava nem
sequer para informar o que estava fazendo!
Sérgio
Kalili
Mas
não existia uma má vontade na mídia? Eu trabalhava na Folha e ela obrigava a gente
a ligar para a prefeitura pra encher o saco mesmo, falar da reforma do
Anhangabaú, botou quanto tijolo, quanto paralelepípedo?
E a Globo nunca foi cobrir
uma inauguração com a minha presença. Ela ia antes. Não podia deixar de ir, por
exemplo, à inauguração do sambódromo, à inauguração do autódromo, à inauguração
de Interlagos. Eles iam antes, cobriam o evento enquanto eu não estava.
Ferréz
É
que a senhora não batia nas pessoas e nem chamava de vagabundo, que nem o
Kassab!
Pois é!
Marina
Amaral
E
por que a senhora foi para o PSB e não para o PSOL?
Fui para o PSB antes de
existir o PSOL, foi na época em que eu vi que havia uma incompatibilidade com o
PT. E a gota d’água foi na campanha de 96, contra o Pitta. Cheguei a ir para o
segundo turno. Também teve uma prévia que disputei com o Mercadante e também
foi um inferno. Foi mais difícil disputar com o Mercadante dentro do partido do
que contra o Maluf e companhia fora. Tive eu responder, nos não sei quantos
debates feitos nos diretórios e nos núcleos, por que havia ido para o
ministério Itamar. Aí fui para o segundo turno numa campanha precaríssima, a
própria equipe que coordenou a campanha, Garreta e companhia, me responsabilizou
por não ter ganhado a eleição. Responsabilizou a mim e à equipe que produziu o
programa. E apresentou uma moção de repúdio a mim e aos companheiros, isso em
agosto do ano seguinte. A eleição havia sido em novembro! Ali foi a gota
d’água. Eu conhecia o Arraes, tinha profunda admiração pelo Arraes e achava
que, ele à frente de um partido, aquele partido poderia ter algum sentido. Aí
resolvi ir para o PSB, que não era um partido de massa como o PT, não tinha
nada a ver com o PT. Eu não deixei o PT, o PT que me deixou. Ainda hoje é uma
questão mal resolvida dentro de mim.
Sérgio
de Souza
E
as pessoas que estão nessa mesma situação devem optar pelo que, a senhora acha?
Acho que temos que construir
aquele novo ciclo histórico social. Antes de pensar em constituir um partido
tem que se vincular fortemente com os movimentos sociais.
Marcos
Zibordi
Quais
os movimentos que restaram?
Não tem movimentos
reconhecidos, estruturados, militando. Mas tem a luta das mulheres, a questão
do feminismo, a questão de gênero, a luta por políticas, a questão dos negros,
dos homossexuais, dos diferentes. Tem uma força social, nem sempre explicitada
no seio da sociedade, aguardando o momento de se expressar. O movimento das
mulheres ainda se expressa um pouco, mas é um movimento muito heterogêneo. O
movimento ecológico tem uma força no tempo, porque os fatos fundantes de um
movimento histórico social tem raiz na história, tem um engajamento no tempo,
tem um pilar na realidade concreta da vida do povo. Então o que tem hoje? É esse
apelo por uma qualidade de vida. Por exemplo, uma figura como a Marina Silva
teria que ser muito mais apoiada pelos movimentos, pela sociedade, e pelo
governo. Mas, ao contrário, ela é inimiga desse governo, e ainda o que a segura
são um ou outro movimento. O movimento ecológico tem apoio universal.
Sérgio
Kalili
O
Lula sempre foi assim?
Sempre. O lula é uma
liderança, a figura e a experiência sindical
acho que reforçaram esse traço autoritário dele. O Lula tem uma
necessidade muito grande de aprovação, de ser aceito, de ser ouvido, de ter
identidade. Por isso muda muito de discurso de um público pra outro. Isso é um
sinal de insegurança, de falta de convicção daquilo que ele pensa, daquilo que
ele quer e daquilo que ele propõe pra sociedade.
Michaella
Pivetti
E
ele nunca foi de esquerda mesmo?
A própria formação dele, não
é que ele tinha que fazer universidade e ter sido de um partido comunista, não
é isso, acho que a formação do Lula, até por força das características do
momento que ele viveu e se formou na liderança, ele não se deu tempo para
refletir. O Lula não gosta de ler, nunca leu, e pra nós é fatal. Nós que viemos
lá de baixo. Mas, por mais falhas, dificuldades, que o Lula como indivíduo
tenha, ele cumpre, cumpriu papel coletivo importantíssimo. A história do Brasil
seria outra sem o Lula. Portanto, ele tem mérito.
Hamilton
Octavio de Souza
Para
a senhora, que veio do sertão, da seca, o projeto da transposição do São
Francisco foi bom para o Nordeste?
É bom para os donos de terra
que ainda não dividiram as terras do Nordeste. Alguns vão se beneficiar, como
nas barragens que se constroem nas obras contra a seca, que 90 por centro do
dinheiro vai para os que fazem a obra e 10 por cento se constroem nas terras
particulares dos homens que estão lá. E estão dividindo o Nordeste, o pior é
isso. Acho que esse é um programa de marketing, o Lula quer uma grande obra que
ficará na história, para o bem ou para o mal dele. E se esse rio não der conta
de continuar levando água para o Nordeste ou então não distribuir a água? Eu
sou contra.
Marina
Amaral
E
um dos maiores entusiastas desse projeto é o ministro do partido da senhora, o
Ciro Gomes.
Pois é, mas ele também está
preocupado com o projeto político eleitoral. Isso vai promovê-lo, não é um
projeto defendido pelo PSB, é defendido por alguns do PSB.
Thiago
Domenici
Eu
gostaria de saber como funcionam os lobbies no Congresso.
O que a mídia transmite
sobre o Congresso não é real. Ou real em parte, porque a mídia só projeta
aquilo que é destrutivo para o poder, sobretudo a Câmara. Se há uma instituição
na democracia burguesa mais representativa do povo, é a Câmara. Por isso que
uma certa mídia faz campanha tão sistemática pra destruir o poder, para com
isso enfraquecer a democracia. A grande parte dessa mídia não tem compromisso
com a democracia, porque não pagou por ela. Não podemos correr riscos, e a
forma como uma certa mídia desmoraliza o Poder Legislativo... não obstante
todos os canalhas que tem lá. E tem muito canalha lá, de todos os partidos. Mas
eu valorizo muito o que se produz de bom naquele Congresso e se produz muita
coisa boa. Acompanhem as comissões temáticas, os seminários que se realizam, as
audiências públicas, as discussões de projetos de iniciativa do governo, de
iniciativa do próprio Congresso. Agora mesmo temos uma discussão riquíssima na
Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, sobre a revisão das
normas de outorga e renovação de concessão.
Marcos
Zibordi
Dentro
dessa comissão, a senhora faz parte de uma subcomissão, que também tem
parlamentares que são proprietários e rádio e televisão. Eu gostaria
inicialmente que a senhora dissesse a quantas andas o primeiro relatório
discutindo a situação do uso de concessão para propor mudanças e como é essa
relação ali dentro, sendo que muitas pessoas têm interesse direto naquilo.
Primeiro, é uma questão que
está na agenda do país, por conta das inovações tecnológicas, da incorporação
do sistema digital, e isso vai ampliar muito o poder na concessão desses
canais, porque o espectro vai se multiplicando três ou quatro vezes e a
tendência é não fazer licitação para concessões ou permissão de uso desses
novos canais, é aumentar o poder dos que já têm. O sistema analógico ainda vai
sobreviver uns dez anos e a proposta pelo menos do Ministério das Comunicações,
é transferir por consignação, portanto, por empréstimo, os novos canais
digitais a quem já detém a outorga ou a concessão dos analógicos.
Marina
Amaral
Mas
vai concentrar mais ainda?
É. Então, dependendo da
mobilização da sociedade, o esforço que alguns de nós estamos fazendo pode,
pelo menos, conter essa sanha. Está sendo formada uma frente parlamentar pela
democratização dos meios de comunicação com participação popular. Assim com a gente
criou uma frente parlamentar pela reforma política com participação popular.
Assim como a gente criou uma frente parlamentar pela reforma política com
participação popular, porque ela é constituída não só de parlamentares, mas
também de representantes da sociedade civil organizada. Pretendemos, por
exemplo, realizar um seminário nacional sobre esse tema. Você está discutindo o
poder no país, não é uma coisa pequena. Mais do que o poder das ideias, o poder
da informação, o poder de transmitir
conceitos, cultura, valores. E discutindo qual é o avanço dessa tecnologia
fantástica, evolucionária. E o seminário nacional deve culminar, depois dele,
com a realização de uma conferência nacional para definir a política de
comunicação de massa no país. Assim como tem a Conferência de Saúde, a
Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Conferência de
Assistente Social, será tentada pela primeira vez uma conferência nacional
sobre a democratização dos meios de comunicação de massa. Que deve ser a base de
uma lei geral das telecomunicações, que o Brasil até hoje não fez. As
concessões e outorgas ainda se regem – parte dos dispositivos regulatórios
- pelo Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, regulamentado por decreto-lei dos militares, de 1964 pra
cá, é um cipoal de normas – de decretos, portarias, leis -, que o maço
regulatório de outorga e concessão de rádio e televisão comercial, educativa,
comunitária. Mesmo na Constituição de 1988 há artigos que ainda não foram
regulamentados, como o 220, o 221, o 222, o 223, o 224; e o artigo 54, que
define o que é proibido ou não no caso de concessão de rádio para parlamentar,
tem interpretação divergente porque os parlamentares dizem que isso é
inconstitucional, não é ilegal.
Hamilton
Octavio de Souza
O
parlamentar não pode possuir empresas de prestação de serviços.
Mas é ambíguo, sabe? Não tem
uma interpretação única, mas vamos mudar, fazer uma PEC, uma proposta de emenda
constitucional mudando esse artigo. Você acha que é justo deputado e senador,
que, quem consolida uma concessão é o Congresso, fazendo em causa própria?
Sérgio
de Souza
Mas
a mídia vai ter interesse em divulgar isso?
Não sei se a mídia, mas os
movimentos, eu acredito na força dos movimentos, acredito na força do povo. Tem
entidades muito interessantes que já acumularam muito em relação à questão.
Essa é uma agenda na qual os democratas, não o Demo lá deles, mas os verdadeiros
democratas do Brasil, poderiam se engajar. Nós precisamos de bandeiras,
precisamos de causas pra mobilizar o povo de novo, o povo acreditar de novo
nele mesmo, acreditar na política, e se tornar sujeito de novo. Essa é uma
bandeira importante, a democratização dos meios de comunicação de massa. E não
é só essa coisa limitada das rádios comunitárias, televisão comunitária, que
ficam sendo permanentemente perseguidas pela Polícia Federal, que chega lá e
fecha. As comerciais não sofrem essa perseguição, os que estão com suas
concessões vencidas há quinze anos, dezessete anos, não sofrem o menor
incômodo, e até multiplicam essa
concessão transferindo o poder de operar o sistema em vários Estados. Tem
escritórios em Brasília especializados em ganhar licitações de outorgas, aí
depois vendem, porque não precisa pagar o valor da outorga, só vai pagar quando
o canal estiver funcionando, e nesse intervalo ele vende a um terceiro por um
valor três, quatro vezes superior. É um grande negócio de hoje.
Thiago
Domenici
São
muitos esses escritórios?
Dizem que há vários. Nós
estamos à cata de tentar levantar esse mapa. É o tipo de coisa que vale a pena.
Mas a mídia não se interessa, só interessa achincalhar, desmoralizar,
generalizar. Não há coisa mais injusta dizer que o Congresso é corrupto. Não é
verdade. E independe de partido, tem gente boa e gente ruim em todos os
partidos. Tem gente que trabalha muito naquele Congresso.
Marcos
Zibordi
A
senhora acha que a maior parte dos que fazem parte da comissão é a favor ou
contra uma democratização? A gente sabe que parlamentares que fazem parte dessa
comissão têm interesses diretos.
Olha, esses lobbies só se
expressam na hora certa, na hora do voto. Nem aparecem nas reuniões da
subcomissão. Mas quando chega no plenário, que a decisão é do plenário da
comissão, aí sim essa turma está lá e aí é hora de pedir verificação de voto, e
aí a gente precisa desse canal com a sociedade. As mudanças têm um preço e não
se fazem mudanças sem o povo estar junto mudando. A minha história de vida
inteira me mostra isso.