*Publicado no portal UOL em 29/07/2015
Criado pela Lei 8069, de 13/7/1990,
o Estatuto da Criança e do Adolescente fez 25 anos em meio a um polêmico debate,
no Congresso Nacional e na sociedade, sobre a redução da maioridade penal de 18
para 16 anos, o que afronta o artigo 228 da Constituição de 1988.
O ECA representa inestimável conquista
da sociedade e trata os direitos da criança e do adolescente como “prioridade
absoluta” e sua proteção como “dever da
família, da sociedade e do Estado”. Contudo, por omissão do poder público, descaso
da sociedade e carências da família, essa lei não garante os direitos
fundamentais de nossas crianças e adolescentes “referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”,
conforme o art. 4º do Estatuto.
Críticas são feitas ao ECA, inclusive por quem
é responsável pelo seu cumprimento, e chega ao absurdo de acusar o Estatuto
pela violência e criminalidade de jovens e adolescentes, rejeitando-o sem
sequer conhecê-lo profundamente.
O Tribunal Permanente dos Povos, em sessão
realizada, na Itália, em 1995, investigou e julgou “A Violação dos Direitos
Fundamentais da Infância e da Adolescência no Mundo” e constatou ser o Brasil o
país que apresenta um dos mais graves quadros
de desrespeito dos direitos de crianças e adolescentes e, paradoxalmente, o que
tem a legislação mais avançada, o ECA. Participei do evento como testemunha e,
na ocasião, propus à Fundação Lélio Basso, instituição que promove o Tribunal, a realização no Brasil de uma Sessão para investigar e
julgar a violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes em nosso
país.
Aceita a ideia pela Fundação e com
a participação de inúmeras entidades da sociedade civil, realizou-se na cidade
de São Paulo, de 17 a 19 de março de 1999, a 27ª Sessão do Tribunal Permanente dos
Povos que investigou e julgou “A Violação dos Direitos Fundamentais da Criança
e do Adolescente no Brasil - o distanciamento entre a lei e a realidade
vivida”. Foi precedida por Sessões preparatórias, realizadas nas cinco regiões
do país, que contribuíram com valiosos subsídios para a elaboração do “Libelo
Acusatório” base da Sessão Conclusiva do
Tribunal.
Presidida pelos juristas Dalmo de Abreu
Dallari e Rubens Approbato Machado, a Sessão Final contou com a atuação de cinco
juízes europeus, componentes do corpo de jurados, e concluiu pela condenação
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e dos governos federal,
estaduais e municipais como responsáveis pelas graves violações dos direitos de
crianças e adolescentes no Brasil.
Consta da “Sentença Condenatória”
que na raiz do quadro aterrador de violações dos direitos humanos de nossas
crianças e adolescentes está a política econômica dos sucessivos governos, que
privilegia o capital financeiro especulativo em detrimento do desenvolvimento
do país, gerando desemprego em massa e exclusão social de amplos e crescentes
contingentes populacionais. Atualmente, com vistas ao ajuste fiscal, o Governo
Federal corta recursos orçamentários destinados aos programas sociais,
particularmente os voltados ao atendimento de crianças e adolescentes das
classes populares. A “Sentença” atribui também parcela da responsabilidade à
sociedade que não faz sua parte prevista no ECA.
A “Sentença Condenatória” foi
encaminhada a todas as autoridades brasileiras, no entanto, após 16 anos da realização
da Sessão do Tribunal no Brasil, a situação de violações dos direitos das
nossas crianças e adolescentes se apresenta ainda mais grave e,
lamentavelmente, a única resposta do poder público e da sociedade ao problema é
a redução da maioridade penal, violando um preceito constitucional e pondo por
terra o Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, ao invés de serem protegidos,
conforme estabelece a lei, crianças e adolescentes se tornam réus e são condenados
a apodrecer nas prisões imundas e superlotadas onde seres humanos têm sua
dignidade e seus direitos humanos violados.
Está na hora, pois, do povo
brasileiro acordar e dar um basta ao assassinato do futuro da Nação.
Luiza Erundina de Sousa
Deputada Federal PSB-SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário