*Publicado no Site Brasil Econômico em 18/10/2011
No momento em que se discute a criação
da Comissão da Verdade, consideramos oportuno trazer à memória coletiva
um fato estarrecedor que causou enorme impacto na sociedade: a
descoberta da vala clandestina, em Perus, na periferia de São Paulo.
Há exatamente 21 anos, descobriu-se que naquele cemitério
municipal, construído em 1971 pelo então prefeito de São Paulo Paulo
Maluf, havia uma vala clandestina com 1.049 ossadas acondicionadas em
sacos plásticos sem nenhuma identificação.
Informações do então administrador do cemitério, o funcionário
Antonio Pires Eustáquio, davam conta de que para lá eram levados os
corpos de indigentes, vítimas anônimas do Esquadrão da Morte, da miséria
social e da repressão política, para serem enterrados em covas
individuais ou jogados numa vala comum.
Na condição de prefeita, ao ser informada sobre aquele fato
inusitado, desloquei-me para o cemitério, a fim de assumir pessoalmente
o controle da situação e declarei o compromisso de investigar e
revelar a verdade sobre fatos tão graves.
Como primeira providência, criamos uma comissão para acompanhar a exumação dos corpos.
Com a participação de familiares de desaparecidos políticos e de
representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, tais como, a
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e o Grupo Tortura
Nunca Mais, tomamos todas as providências necessárias à imediata
investigação e análise pericial das ossadas.
Nesse sentido, a prefeitura firmou convênio com o Governo do Estado
de São Paulo para que o Departamento de Medicina Legal da Universidade
de Campinas pudesse realizar o trabalho de pesquisa científica e
identificação das ossadas.
Até o final do nosso governo, 30/12/1992, a equipe de pesquisadores
da Unicamp identificou, nas ossadas do cemitério Dom Bosco, sete corpos
de desaparecidos políticos no período da ditadura militar, sendo que
três deles estavam na vala comum e quatro em sepulturas individuais.
São eles: Frederico Eduardo Mayr; Dênis Casemiro; Flávio Carvalho
Molina; Sônia Moraes Angel Jones; Antonio Carlos Bicalho Lana; Luiz José
da Cunha; e Miguel Sabat Nuet.
Com base em indícios de que corpos de desaparecidos políticos
poderiam estar enterrados em outros cemitérios do município, as buscas
se estenderam aos cemitérios de Campo Grande, zonal sul, e de Vila
Formosa, zona leste da capital, porém foram suspensas pela Unicamp no
final de 92, quando terminou o nosso governo.
Contudo, no início de 2010 a Justiça Federal de São Paulo, a pedido
do grupo Tortura Nunca Mais, concedeu liminar determinando que as
ossadas da vala comum do cemitério de Perus fossem submetidas a exames
de DNA e que a União e o estado teriam seis meses para promover sua
identificação.
A decisão representa uma extraordinária vitória, não só dos
familiares dos mortos e desaparecidos políticos, mas também de todos os
que lutam para que a verdade sobre os crimes da ditadura militar seja
revelada e os responsáveis punidos.
A realidade política de duas décadas atrás e a correlação de forças
então existente eram mais desfavoráveis do que as de hoje para o
enfrentamento de tais questões. No entanto, o fizemos por entender que a
defesa da causa da verdade e da justiça são um imperativo histórico e
condição para que o processo de redemocratização do país se conclua.
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