Dep. Luiza Erundina com a medalha Violeta Arraes e Hildegard Angel, filha de Zuzu Angel |
Muito me honra e comove ser a
primeira mulher a receber a Medalha Violeta Arraes de Direitos Humanos, criada
pela Secretaria Estadual de Mulheres do PSB do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo
em que o Prêmio Zuzu Angel – II Edição é conferido, pela mesma Secretaria, às
bravas mulheres do grupo Tortura Nunca Mais. A elas nossos cumprimentos e
gratidão pela dedicação na defesa dos Direitos Humanos.
Ao ser informada pela companheira
Regina Flores, Secretária da Mulher, sobre a escolha do meu nome para receber a Medalha Violeta Arraes, pensei sobre o significado da homenagem e
conclui que não é era a mim que devia ser prestada, mas, sim, à própria Violeta
, inspiradora da criação deste Prêmio. É
a ela, pois, a quem devemos e queremos homenagear nesta noite de festa, com
toda solenidade que se possa imprimir a este ato.
Com certeza, tudo o que de mais
relevante eu possa destacar da trajetória de vida dessa mulher extraordinária,
já deve ser de pleno conhecimento dos que estão presentes aqui e de tantos mais que a conheceram
pessoalmente ou através dos rastos luminosos que ela foi deixando atrás de si
ao longo de sua rica e fascinante existência.
No entanto, o reconhecimento e a
celebração pública da grandeza e dignidade de uma pessoa, cuja vida privada se
confunde com a vida pública, nunca é demais, visto que confirmam o que já se sabe sobre ela; ao mesmo
tempo conferem realidade aos feitos extraordinários de sua
vida, iluminando-os. É o que queremos
fazer neste momento, reconhecer e
celebrar a vida e a obra de Violeta Arraes que marcaram indelevelmente seu
tempo e sua geração.
Violeta dedicou inteiramente sua
vida às lutas pelos direitos humanos e na defesa da democracia; lutas essas que
ela travou sem fronteiras, com muita coragem e determinação e no limite máximo
de sua generosidade.
Cearense do Araripe, veio ao
mundo em 5 de maio de 1926 e foi uma das figuras mais atuantes e influentes nos
meios acadêmicos da sua época, projetando-se publicamente dentro e fora do
Brasil por sua presença ativa no mundo da cultura e das artes e pelo seu
engajamento político.
Em Recife, Violeta foi ativista
do movimento de educação de base; atuou no Movimento de Cultura Popular, junto
com o educador Paulo Freire, e colaborou com D. Hélder Câmara, enquanto membro
do Secretariado Nacional da Ação Católica e integrante da Juventude
Universitária Católica (JUC), de onde se originaram grupos de ação política que
combateram o golpe de 64 e resistiram à ditadura civil-militar; por isso foram
duramente perseguidos e dizimados.
Ligada ao Cinema Novo e ao meio
artístico e cultural pernambucano, no período em que junto com o marido Pierre
Maurice Gervaiseau, economista e militante socialista, Violeta colaborou com a
ação política do seu irmão, o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes,
deposto e preso em 1º de abril de 1964, no golpe militar. Ambos foram presos
quando chegavam à sede do Arcebispado para visitar D. Hélder Câmara no dia em
que ele assumia como bispo de Recife e Olinda. Quatro meses depois, ela e sua
família foram expulsos do Brasil e se exilaram
na França onde, a partir de então,
passaram a viver.
O castigo do exílio que os algozes
da ditadura lhe aplicaram, não conseguiu fazer com que Violeta arrefecesse o
ânimo, nem abdicasse de seus sonhos e da utopia socialista que iluminaram e deram sentido à sua vida.
Esta é uma marca da sua origem nordestina, região onde se forjam homens e
mulheres fortes que não se dobram diante das agruras da seca e do sol inclemente
do semiárido, nem menos se vergam sob a opressão covarde de um regime de força
que dominou pelas armas durante longos e tenebrosos vinte e um anos de ditadura
e de graves violações aos direitos humanos em nosso país.
Na França, já graduada em
sociologia, cursou pós-graduação em psicologia para poder ajudar, como
psicoterapeuta, a muitos exilados brasileiros traumatizados com a tortura a que
foram submetidos. Por sua generosidade e
dedicação no acolhimento aos exilados políticos na França, ficou conhecida como
a “Rosa de Paris”.
Como integrante da Frente
Brasileira de Informações, naquele país europeu, Violeta, segundo testemunho de
ex-exilados, foi fundamental para a denúncia dos crimes contra os direitos
humanos cometidos pela ditadura militar e, como estava acima das divisões entre
partidos e grupos políticos, conseguia aglutinar todos e a todos ajudava a
suportar as terríveis agruras do exílio. Sua casa em Paris se transformou em
uma referência para artistas e intelectuais perseguidos pelo regime militar. Também
estendeu sua ajuda aos exilados chilenos, após o golpe de Pinochet, e ao
movimento anticolonialista em Angola, Moçambique e Guiné Bissau.
Com a aprovação da Lei da Anistia
em agosto de 1979, Violeta retornou ao Brasil, mas foi convidada a trabalhar
como adida ao projeto França-Brasil, na embaixada brasileira em Paris. De 1984
a 1986, ela se dedicou a elaborar e desenvolver o projeto, realizando vários
eventos relevantes, destacando-se, entre outros, a Exposição de Arte Popular
Brasileira, no Museu de Arte Moderna. Em 1988, a convite do então governador
Tasso Jereissati, assumiu a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará e, em
1996, foi nomeada reitora da Universidade Regional do Cariri, na cidade do
Crato, cargo que exerceu até 2003. Viveu os últimos anos de sua rica existência
na cidade do Rio de Janeiro, onde veio a falecer em 2008. No entanto, Violeta
continua viva, não só nas nossas mentes e nos nossos corações, mas sobretudo no
exemplo que deixou, exemplo de coragem e
de fidelidade absoluta ao seu compromisso com os direitos humanos e com a democracia.
Para que a história de uma pessoa
se revele em toda sua inteireza, é preciso que seja projetada no espaço público,
sobretudo se for mulher, e, como tal, historicamente condenada a viver submersa
na invisibilidade da vida privada, por determinação de uma cultura machista e
patriarcal ainda hoje dominante na nossa sociedade. Violeta Arraes é uma mulher
que rompeu com esse padrão e protagonizou os acontecimentos mais importantes e
cruciais da vida nacional, com desdobramentos para além de nossas fronteiras.
Vale destacar, ainda, o simbolismo
e o significado da Medalha Violeta Arraes de Direitos Humanos que projeta, no
espaço público, a figura gigantesca dessa mulher excepcional. Esta homenagem é
prestada num momento decisivo para a história e a democracia brasileira. Ocorre
exatamente no momento em que, após longos e aflitivos anos de espera, o Estado
e a sociedade civil brasileira buscam resgatar a memória e desvelar a verdade
histórica sobre os crimes de lesa humanidade cometidos durante a ditadura
militar, e apontar os responsáveis por eles, para que não fiquem impunes.
Trata-se, portanto, de fazer justiça, mas para isso é preciso dar nova
interpretação à Lei da Anistia que, absurdamente, anistiou vítimas e algozes.
Se viva ainda estivesse, não
tenhamos dúvidas de que Violeta estaria na linha de frente deste embate entre o
passado, que quer ser esquecido, e o presente que grita, em dores de parto,
para que a Verdade se revele por inteiro e se faça justiça aos que, como
Violeta Arraes, pagaram com prisão, tortura, assassinato, desaparecimento
forçado e exílio a incipiente democracia que temos hoje. Precisamos, de uma vez
por todas, passar a limpo essa vergonhosa página da nossa história, e como diz
a ex-presidente do Chile, Michele Bachelet, “a ferida só sara se for lavada”. É
este o momento. A hora chegou, não a deixemos escapar.
Por fim, agradeço de coração a
honra de me conferirem esta Medalha que me servirá de escudo e de estímulo para
continuar a luta de Violeta Arraes, e de tantos outros, na defesa intransigente
dos Direitos Humanos e na luta sem trégua por Verdade, Justiça e plena
Democracia.
Obrigada a todos e todas.
Rio de Janeiro, 27 de maio de
2013
Dep. Luiza Erundina
de Sousa
Nenhum comentário:
Postar um comentário