Discursos

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

“Fraternidade Universal: paradigma de uma nova cultura política"

Seminário do MPPU - Deputada federal Luiza Erundina de Sousa 
 Porto Alegre, 09/11/2013.

Estamos aqui para discutir um tema que sempre foi o foco da reflexão de Chiara Lubich, não só sobre o Movimento Político pela Unidade (MPPU), mas também sobre o Movimento dos Focolares. Ela dizia que a dimensão política já nascera com o Movimento, com Igino Giordani, deputado italiano, cofundador, segundo Chiara, do Movimento dos Focolares, pela sua colaboração e descoberta do “Ideal” no mundo da política. Portanto, o tema sobre o qual vamos refletir aqui estava no coração de Chiara desde a origem do Movimento dos Focolares e do Movimento Político pela Unidade. 

Ao me preparar para esta palestra, procurei consultar os textos escritos por ela a respeito do tema que constitui o cerne da  ideologia que inspira o Movimento dos Focolares e o  Movimento Político pela Unidade: a fraternidade e a unidade, princípios fundamentais que orientam e inspiram  esse modelo de ação política e de relações na sociedade (relações econômicas, sociais,  culturais e, sobretudo, políticas, e que estão  imbricadas entre si). Assim, a fraternidade e a unidade são os alicerces da construção do Movimento Político pela Unidade no Brasil e no mundo.

Proponho, pois, a reflexão do tema: “Fraternidade universal, paradigma de uma nova cultura política”. Procuremos, antes de tudo, unificar nossa compreensão sobre os aspectos que compõem o tema em questão como referência comum a partir da qual identifiquemos as exigências e implicações práticas para quem adere ao MPPU. Consideramos, no entanto, que o tempo de que dispomos aqui é insuficiente para tratarmos o tema com a profundidade necessária. É verdade, porém, que a reflexão vai continuar no dia de hoje e de amanhã e se desdobrará enquanto estivermos construindo uma nova cultura política.
Passemos, então, a cada um dos termos da proposição em tela:

- O que se entende por “fraternidade universal?

Entende-se por “fraternidade universal” o fato de que somos todos irmãos por sermos filhos do mesmo pai, Deus. É evidente que essa concepção depende de cada um. Como diz Chiara, para quem tem fé, somos filhos do mesmo Pai que é Deus, mas nem todos têm fé; ou têm a mesma fé; ou, então, nem todos têm uma outra concepção de Deus.

De qualquer forma, a concepção de fraternidade universal supõe aceitar que somos irmãos e, sendo irmãos, somos filhos de um mesmo pai ou, ainda, temos uma origem comum, ou seja, pertencemos à mesma humanidade, o que nos faz iguais em dignidade e em direitos. Isso deve nos unir, nos confraternizar, ao mesmo tempo que nos anima a construir um  mundo fraterno e justo. Se se quer ser fraterno, ser irmão, ser igual, é preciso reconhecer as diferenças, respeitar a diversidade e procurar o consenso sobre o que soma e unifica.

Essa concepção contribui também para que percebamos que a unidade e a diversidade convivem e se expressam na pluralidade, permanente fator de enriquecimento, seja numa perspectiva religiosa, seja numa perspectiva humanista.

Uma das características do pensamento de Chiara é, pois, a compreensão universal, plural, diversa do mundo e da condição humana, e que deve nortear o comportamento e as ações dos que aderem ao MPPU, movimento que se propõe a ser um instrumento a serviço da construção de uma outra cultura política, capaz de revolucionar a atividade política e as relações de poder na sociedade ao propor a fraternidade e a unidade como paradigmas. 

A presença dos membros do MPPU no ambiente político deve se dar de forma discreta e respeitosa, sem impor sua forma de ser, de pensar e de ver a política, evitando, assim, uma atitude autoritária e, consequentemente contrária a uma nova cultura política.

A visão universal, plural do mundo e da política é uma das características marcantes do pensamento de Chiara Lubich, que destoa da cultura individualista e autoritária que forjaram nosso modo de ser e de estar no mundo e na sociedade.

Frequentemente nos flagramos querendo impor aos outros nossas ideias e pretensas verdades, o que certamente contribui para desunir e desagregar. Agir de forma diversa supõe generosidade e uma atitude democrática, sem o que não se consegue ver o outro, ateu ou de confissão religiosa diferente da nossa, com respeito e abertura a caminharmos juntos na busca do bem comum.

A construção da unidade e da fraternidade não é algo dado, acabado, definitivo; é um processo e, como tal, vai se desenvolvendo ao longo do tempo, com avanços e recuos, e exige perseverança e humildade. Não há modelos acabados, propostas definitivas, verdades absolutas, por isso devemos ter flexibilidade, abertura para o que o outro diz e defende, com visões  diversas, não necessariamente opostas às nossas. Tal atitude nos enriquece e nos harmoniza na convivência com o irmão.

Temos origens divina e humana comuns; temos dignidade e direitos iguais inalienáveis que, como tal, estão acima de qualquer diferença.

Tais direitos estão consagrados pelas Constituições dos diferentes países como expressões nacionais da concepção universal dos direitos humanos inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Não obstante a dignidade e os direitos humanos serem preceitos universais, sua expressão histórica assume características próprias em cada país e cultura, por serem produtos histórico-sociais e, desse modo, devem ser reconhecidos e respeitados.

No seio de uma mesma coletividade humana, de uma mesma sociedade, existe diversidade entre seus vários segmentos que também precisa ser reconhecida e respeitada. É o caso, por exemplo, das comunidades indígenas e quilombolas, no Brasil. Com efeito, qualquer movimento que se proponha em cada tempo e lugar, deve conhecer e  respeitar a diversidade e o pluralismo cultural, decorrente das diferenças de gênero, raça, geração e classe social, como imperativo, inclusive, da democracia.

Avançando um pouco mais sobre o que intuí do pensamento de Chiara, e vejam, não é fácil alcançar total clareza e profundidade do seu pensamento, fiz estas reflexões, trazendo para a atualidade e a realidade brasileira as intuições do seu extraordinário carisma, no sentido de identificar as demandas dos dias de hoje, em atenção ao que ela recomendava que estivéssemos atentos a tais demandas. Falava, especificamente, das demandas de uma determinada coletividade, ou seja, uma cidade, que é o espaço da vida concreta das pessoas, a comunidade local, onde se dão as relações humanas e onde se exercita a cidadania.

Por estar sempre atenta às demandas das sociedades e procurando responder a elas, Chiara criou, ao longo dos anos, as “inundações” do Movimento dos Focolares, tais como: Jovens por um Mundo Unido; Movimento Juvenil pela unidade; Humanidade Nova; Movimento Político pela Unidade (MPPU); Economia de Comunhão (EDC); Direito e Fraternidade; Medicina Diálogo e Comunhão; EcoOne (Ecologia); Psicologia e Comunhão; Sportmeet (Esporte); Clarté (Arte); Social One (Ciências Sociais); Educação e Unidade; NetOne (meios de comunicação).

Como se vê, o pensamento de Chiara não estagnou com o tempo, ao contrário, foi se recriando em sintonia com as mudanças da sociedade e em resposta às necessidades que surgiam. Deus queira que a atual presidente do Movimento dos Focolares tenha a mesma criatividade, ou igual ligação com o Espírito Santo para perceber os sinais dos tempos e as demandas que se colocam para a humanidade.

É preciso entender que Fraternidade e Unidade são princípios ideológicos. E tem quem diga que as ideologias morreram. Coitados dos que pensam assim, pois são pautados e vivem sob a influência de ideologias que lhes são impostas, sem terem consciência disso. É melhor assumir consciente e livremente uma dada ideologia e viver de acordo com ela do que viver enganado por acreditar  não existir mais nenhuma ideologia. Portanto, se fraternidade e unidade são ideologias, e se nos identificamos com elas, temos que procurar vivenciá-las no nosso dia-a-dia.

Ideologia é um conjunto de idéias defendidas e assumidas por grupos ou setores da sociedade.  Não é uma questão individual, mas, sim, ideias com as quais alguém se identifica e procura ser coerente com elas.

A ideologia é um produto histórico-social e, sendo assim, marca um determinado momento da história e o define, influenciando as relações econômicas, sociais e políticas.

As “inundações” do Movimento dos Focolares devem, segundo Chiara, se inspirar na ideologia da fraternidade e da unidade como princípios que orientam o comportamento dos seus membros e definem sua identidade. Portanto, o político da unidade deve viver conforme esses princípios; estar atento às demandas de hoje e procurar descobrir os sinais do tempo.

E quais seriam os sinais do nosso tempo? Esta é uma pergunta complexa que exige, para a sua resposta perspectivas filosófica, sociológica e histórica. Temos que buscar essa resposta no nosso dia-a-dia, diante de cada nova situação e que supõe novas respostas, mas sempre coerentes com os compromissos que assumimos à luz do ideal da unidade e da fraternidade. É verdade que nem sempre conseguimos ser fiéis a esse ideal, mas o que importa mesmo é que estejamos abertos a recomeçar cada vez que falharmos no nosso compromisso. Temos que encarná-lo no cotidiano, com acertos e erros, corrigindo rumos, permanentemente. E aí a vida de unidade e a convivência fraterna nos ajudam a ir em frente, corrigindo os desvios que ocorrerem durante o percurso.

É uma experiência difícil e muito exigente, mas é realizadora do ponto de vista pessoal e revolucionária do ponto de vista coletivo. Não é outra a medida na vivência do Evangelho, é o que Jesus nos ensinou.

E, afinal, quais são os sinais do nosso tempo? Gilles Lipovetsky no seu livro “Império do Efêmero” fala do efêmero na moda, nos costumes, nos valores, no comportamento, na moral, na ética. Tudo é efêmero, passageiro, relativo.

O efêmero é uma das características dos dias de hoje, um dos sinais do nosso tempo e que é reproduzido pela mídia, influenciando a cultura e os costumes da sociedade.

Vivemos também na era do conhecimento, na era digital, na era da internet, com forte demanda por liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação.

Segundo o mesmo pensador francês, vivemos também na “Era do Vazio”, marcada pelo individualismo, competição e indiferença em relação ao outro. A consequência disso, no plano pessoal, é o desalento, a desesperança e o desinteresse por tudo que não seja o próprio indivíduo. Este não encontrará resposta para suas angústias e perplexidades no âmbito da vida pessoal, mas, sim, na convivência com os outros nos espaços onde se constroem solidariedade e relações fraternas.

A “Era do Vazio” é marcada também pelo narcisismo estéreo; cada um se contemplando, se admirando e se bastando a si mesmo, o que é uma tremenda ilusão, um caminho sem saída, e que leva ao isolamento, à alienação e à fuga pelas drogas e pela busca desenfreada por dinheiro, sexo e poder.

Ocorre que, às vezes, julgamos essas pessoas sem levar em conta que seu modo de ser e de se comportar é, em grande medida, consequência e fruto da cultura do seu tempo, marcada pelo individualismo e pelo vazio.

Por outro lado, a cultura da fraternidade e da unidade, como princípios basilares da nossa concepção de vida e de ação política, podem e devem influenciar a realidade atual que também nos afeta. Ninguém está livre da poderosa influência da mídia, da sedução dos apelos da modernidade ou, melhor dizendo, da pós-modernidade para a qual se está transitando; pois estamos no fim de um ciclo histórico-social e no início de um outro que traz consigo novas demandas e exigências.

Diante desse quadro, coloca-se a questão da fraternidade e da unidade como valores e concepções ideológicas que podem e devem influenciar a prática política.

Nós que atuamos na política institucional em governos, parlamentos e partidos políticos somos, portanto, desafiados a vivenciar a fraternidade e a unidade em ambientes adversos a esses princípios, enquanto espaços de conflitos, contradições e de disputa de poder. Além disso, trazemos uma pesada carga da cultura política tradicional que resiste às mudanças reclamadas pelos novos tempos, no sentido da democratização do poder e do exercício da cidadania política pelos cidadãos e cidadãs comuns.

Convém ter presente ainda que nossa experiência política se dá numa sociedade de classes onde as relações não são fraternas e cujos interesses são contraditórios e até mesmo antagônicos, portanto, incompatíveis com o princípio da unidade.

Chiara situa essa reflexão no horizonte e na perspectiva do governo da Cidade, como espaço do poder local, à luz de uma concepção moderna e avançada inspirada no ideal da fraternidade e da unidade como categorias políticas.

Ela pensa a cidade dentro de uma região metropolitana, aberta e integrada a espaços mais amplos, a partir de uma visão plural da organização humana e social. Sugere, inclusive, como se deve realizar, inspirados na fraternidade e na unidade, o governo da cidade. Recomenda que sejam governos democráticos, a partir das bases, cujas demandas devem ser o critério para se definir as ações e as prioridades do governo. Este, por sua vez, deve se submeter ao controle e à fiscalização da comunidade local, com a qual o mandatário do cargo divide o poder.

É surpreendente como alguém que nunca governou uma cidade, que jamais vivenciou a realidade da política, tivesse tanta clareza e sabedoria a respeito dos problemas desse campo, abordando-os à luz da fraternidade e da unidade como ideal que nos inspira e nos move no sentido da construção de uma nova cultura política que resgate o significado maior da política como uma prática a serviço do bem comum.


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