Foto: Beto Oliveira |
Gostaria de propor aos meus colegas parlamentares, nesta oportunidade, o debate de um tema que considero de extrema importância: a lei brasileira de Anistia.
Em 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no julgamento do caso da “Guerrilha do Araguaia”, decidiu por unanimidade pela “incompatibilidade das anistias relativas a graves violações de direitos humanos, com o direito internacional”. Ou seja, a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, Lei da Anistia, “afetou o dever do Estado de investigar e punir ao impedir que os familiares das vítimas”, naquele caso, “fossem ouvidos por um juiz”, resultando numa sentença condenatória contra o Brasil, segundo a qual o Estado brasileiro tem o dever de aplicar aos agentes públicos que praticaram tais violações as sanções penais previstas em lei por meio de processos a serem movidos na justiça ordinária e não no foro militar, além do que, os réus, não obstante o tempo percorrido, não poderão invocar a seu favor a prescrição legal.
A Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, Lei da Anistia, editada ainda no período autoritário, teve como propósito permitir uma gradual e controlada abertura do regime político. O projeto que deu origem a essa lei, de iniciativa do então Presidente João Figueiredo, procurava, por um lado, excluir do alcance da anistia os opositores ao regime que eventualmente tivessem sido condenados por crimes de terrorismo, assalto, sequestro ou atentado a pessoas, e, por outro lado, assegurava que a anistia se estenderia àqueles que praticaram crimes conexos ao crime político, beneficiando, assim, os agentes do Estado que praticaram crimes comuns, todo tipo de tortura contra civis que se opuseram ao regime militar.
Quando da tramitação do projeto no Congresso Nacional, houve tentativas para ampliar o caráter da anistia, mediante emendas de parlamentares oposicionistas, do MDB. Porém, sob pressão dos militares, o Congresso acabou por rejeitar as emendas que propunham mudanças substanciais.
A Constituição Federal de 1988, no inciso XLIII, art. 5º definiu que: “Art. 5º..................................................................................
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”
No final de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 153, proposta pelo Conselho Federal da OAB, a respeito da interpretação da Lei da Anistia em face da Constituição de 1988 e do Sistema Internacional de Direitos Humanos.
Com essa iniciativa, a OAB se insurgia contra a interpretação segundo a qual os crimes comuns praticados pelos agentes do Estado contra civis seriam crimes conexos, beneficiando, assim, seus autores. Todavia, o STF não acolheu os argumentos da OAB e decidiu, por sete votos a dois, manter a interpretação atual da Lei nº 6.683 e impedir que os responsáveis por tortura contra opositores políticos sejam processados, julgados e punidos.
O relator do processo, ministro Eros Grau, deu parecer contrário à revisão da Lei da Anistia, alegando que a mesma teria sido “amplamente negociada”. Convém lembrar, no entanto, a realidade política do país que, na época, ainda vivia sob o regime militar. Para ser justa e verdadeira, uma negociação precisa se dar entre partes em igualdade de condições, o que não foi o caso.
Diante da decisão do STF, que afronta os direitos humanos, e em conseqüência da decisão da Corte Interamericana, referente à Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, apresentei o Projeto de Lei nº 573, de 23/02/2011, que dá interpretação autêntica ao disposto no artigo 1º § 1º, da Lei da Anistia, que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados.
O Poder Executivo, por sua vez, encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.376, de 20 de maio de 2010, que “Cria a Comissão Nacional da Verdade, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República”, com a finalidade de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticados no período de 1946 a 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.
No entanto, aguarda-se há mais de um ano que a Presidência da Câmara dos Deputados instale Comissão Especial para analisar o projeto de lei do Poder Executivo, que, entre outras iniciativas, deverá promover audiências públicas para ouvir autoridades, especialistas e representantes dos familiares das vítimas da ditadura militar, com vistas ao aprofundamento da análise e ao aperfeiçoamento da proposta.
As entidades de defesa dos direitos humanos fizeram uma análise do referido projeto de lei e, embora considere a iniciativa importante, propõe algumas alterações, tais como:
- que seja uma Comissão Nacional da Verdade e Justiça;
- que o período de abrangência, para exame e esclarecimento das graves violações de direitos humanos, seja de 31/3/1964 a 04/10/1988;
- que tenha como finalidade efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a responsabilização e a consolidação da democracia;
- que os sete membros que comporão a Comissão sejam civis e que a Presidência da República, antes de designar os membros, consulte as organizações da sociedade civil, de âmbito nacional e que representem os que foram torturados, perseguidos e exilados, e os familiares de mortos e desaparecidos;
- que a Comissão tenha poderes para apurar a responsabilidade dos agentes do Estado na prática de graves violações aos direitos humanos, remetendo suas conclusões às autoridades competentes;
- que os membros da Comissão sejam invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, assim, entendendo-se tais garantias, no que couber, às pessoas que nela testemunharem;
- que as atividades desenvolvidas pela Comissão sejam públicas e acompanhadas pelos meios de comunicação oficiais;
- que a Comissão seja constituída como unidade administrativa autônoma, com recursos humanos, orçamentário e dotação próprios para a consecução dos seus objetivos;
- que a Comissão apresente, no final de seus trabalhos, relatório circunstanciado que registre a verdade histórica.
Estas são propostas dos mais interessados na criação de uma justa e verdadeira Comissão Nacional da Verdade e esperam a instalação da Comissão Especial que apreciará o Projeto de Lei do Poder Executivo, para que possam defendê-las em audiências públicas.
Assim, a expectativa das vítimas da ditadura militar e dos que lutam pelo fortalecimento e consolidação da democracia em nosso país é que a Comissão Nacional da Verdade apure, de fato, as graves violações dos direitos humanos, seus autores e circunstâncias, com especial foco nos casos de desaparecimentos forçados ocorridos durante o regime militar.
Espera-se, portanto, que a Comissão revele toda a verdade sobre um longo e triste período da nossa história, oferecendo as necessárias condições para que, a exemplo de outros países, inclusive do nosso continente, promova a justiça de transição e, assim, se conclua o processo de redemocratização do país.
Ajudemos, pois, a passar o Brasil a limpo.
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