1. Analise o contexto
socioeconômico e político no Brasil na década de 1970 e suas implicações para o
Serviço Social.
A década de 1970 no Brasil foi
marcada por grave retrocesso institucional em consequência do golpe militar de
1964 que afetou profundamente a realidade do país em todos os aspectos,
principalmente, no aspecto político, com o fim da democracia e a instauração do
regime militar que se estendeu por duas longas décadas.
Na ditadura, as liberdades
democráticas foram suprimidas e os direitos humanos, violados, o que provocou firme
e corajosa resistência de amplos segmentos da sociedade, especialmente, os
estudantes, liderados pela UNE, e dos trabalhadores, cujos sindicatos foram
fechados, suas lideranças, fortemente reprimidas, e os mandatos dos seus
dirigentes, cassados. Dentre estes, Assistentes Sociais e algumas de suas
entidades de classe.
O mesmo se deu com os partidos
políticos de esquerda e de oposição ao regime, os quais foram jogados na
ilegalidade e seus dirigentes e principais lideranças presas ou forçadas a
fugir para o exílio, enquanto outros entraram na clandestinidade dentro do
próprio país.
No aspecto econômico, a situação
política criou as formas de apropriação do excedente gerado e as condições
favoráveis à reprodução e expansão do capital.
Com efeito, como ocorre com todo
país de economia dependente, a maior parte do excedente produzido no Brasil,
durante aquele período, foi transferida para os países desenvolvidos do
primeiro mundo, quer sob a forma de lucros e/ou de pagamento de juros e
serviços da crescente dívida externa.
Além disso, o Brasil passou a importar
tecnologia de capital intensivo para incorporar ao seu processo produtivo que, se
por um lado, aumentava significativamente a produtividade do trabalho, por
outro, gerava desemprego em massa.
Assim, a mão-de-obra excedente
passou a migrar para os grandes centros urbanos, cujo mercado de trabalho
formal não tinha capacidade para absorver o grande contingente de
desempregados, além de tratar-se de trabalhadores sem a qualificação e a
experiência exigidas pelo mercado de trabalho urbano-industrial.
Outro aspecto da economia brasileira
da década em análise que vale destacar, refere-se ao forte incremento dos
investimentos estatais que contribuiu muito para a valorização do capital e
representou poderoso suporte à acumulação privada do excedente produzido.
Assim, houve marcante presença do
Estado na economia brasileira, naquele período, tendo o setor público
participado na formação de nada menos do que 50% do capital fixo do país. Prova
disso é o fato de que das 173 empresas estatais existentes em 1975, 123 foram
criadas depois de 1967.
Ademais, a adoção desse modelo de
economia agravou, sobremaneira, a situação social com o aumento da pobreza que
atingia a maioria da população em conseqüência, não só do desemprego em massa,
mas também dos baixos salários. Atente-se, pois, para estes dados: entre 1968 e
1978 a produtividade do trabalho no Brasil cresceu 32%, em termos reais,
enquanto a média dos salários, no mesmo período, decresceu 15%. A comparação
entre esses dois indicadores demonstra, portanto, o fantástico processo de
acumulação registrado no país, naquele período, e explica a precarização das
condições de vida dos trabalhadores brasileiros.
Foi a época do chamado “milagre brasileiro”
que, como disse Lúcio Kowarich, “foi um milagre feito por um santo perverso”,
pois tirou dos pobres para dar aos ricos, ou seja, os ricos ficaram mais ricos
e os pobres, mais pobres ou miseráveis.
Acrescente-se a esse quadro, o fato
de não existir, naquele tempo, políticas sociais para atender as demandas
coletivas. Havia apenas ações pontuais com caráter assistencial e em níveis
mínimos de subsistência nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Ressentia-se, também, da falta de
investimentos públicos em infra-estrutura urbana de transporte, saneamento
básico, de habitação popular, entre outros, o que contribuía para agravar,
ainda mais, as condições de vida da população nas cidades, onde proliferavam as
favelas, os cortiços e a ocupação dos baixos de viadutos por trabalhadores que,
por não terem emprego, iam “morar” nas ruas em situação degradante e de total
desrespeito aos direitos humanos.
Tomando como indicador de pobreza no
Brasil a renda familiar, o PNAD/76 registrou que, naquele ano, mais de 45% das
famílias brasileiras tinham renda familiar de até 2 salários mínimos, ou seja,
cerca de 49,5 milhões de pessoas, e quase metade dessas famílias tinham renda
inferior a um salário mínimo, o que configura uma situação de pobreza absoluta.
Outros dados igualmente
estarrecedores demonstram com maior evidência a perversa concentração de renda
no país na década de 1970, tais como: os 10% mais ricos da população detinham
50,56% da renda total, enquanto os 10% mais pobres ficavam com menos de 1% da renda.
Ademais, 5% dos mais ricos ficavam com cerca de 39% da renda gerada anualmente
no país e, em termos da renda média mensal, a diferença era de 40 vezes maior
do que a renda de um dos 50% mais pobres.
Diante desse quadro, a luta pela
sobrevivência tornou-se a maior preocupação de mais da metade da população
brasileira que, sem outra alternativa e pressionada a compensar a queda do
poder aquisitivo do salário,
cria
artifícios de suplementação de renda, tais como: aumento da jornada de
trabalho; trabalho infantil; biscates, etc., gerando desgaste da
força-de-trabalho submetida a extrema exploração.
Aos poucos a população foi tomando
consciência dos seus direitos e de sua força e começou a se mobilizar para
exigir mudanças. Foi quando começaram a surgir diversos movimentos populares
para reivindicar políticas públicas destinadas a atender seus direitos sociais
e de cidadania. Lembraria, por exemplo, o movimento contra a carestia; a luta
dos moradores de favelas por ligação de água e luz em seus barracos e de
resistência contra os despejos das áreas que há muito tempo ocupavam; o
movimento por creches; por serviços de saúde; por moradia; por melhorias
urbanas; e tantas outras lutas que marcaram a vida de homens e mulheres do
povo, naquele período, e que os tornaram sujeitos políticos, construtores da
sua própria estória.
Os assistentes sociais tiveram
participação destacada na construção desses movimentos e no encaminhamento de
suas lutas, como profissionais comprometidos com os interesses populares, ao
mesmo tempo em que se organizavam para reivindicar seus próprios direitos como
trabalhadores assalariados.
Por isso, foram vítimas de
desconfiança e de perseguição dos agentes da ditadura que os vigiavam nos
locais de trabalho e, vários deles, foram punidos com demissão. Os “olheiros”
da ditadura sabiam da influência desses profissionais junto à população,
conscientizando-a sobre seus direitos e estimulando-a a lutar por eles.
2. Fale sobre sua
inserção profissional e política na época, e de que forma contribuía para o
Serviço Social brasileiro e latino-americano.
Sabemos que nossa prática
profissional está sujeita a limitações impostas pelas instituições onde
trabalhamos e que, para superá-las, precisamos nos unir e nos organizarmos
politicamente.
Foi neste sentido que lutamos pela
reativação da Associação Profissional dos Assistentes Sociais de São Paulo –
APASSP, cujas atividades estiveram completamente paralisadas, durante o período
de 1970 a 1977, em decorrência do regime militar.
Com o agravamento da situação
política a partir de 1968, quando foi decretado o AI-5, ocorreu enorme
retrocesso dos movimentos sociais, atingindo, inclusive, o processo de
organização dos assistentes sociais.
Graças à heróica luta dos
trabalhadores e trabalhadoras e à brava resistência dos movimentos sociais, aos
poucos foram sendo reconquistados o direito e a liberdade de organização e de
participação política.
No seio desses movimentos, estavam
os assistentes sociais mais combativos e comprometidos com a luta pela
redemocratização do país. Embora minoria, foram capazes de desencadear amplo
processo de mobilização da categoria em torno de seus interesses específicos e
dos interesses gerais dos trabalhadores.
Um dos instrumentos utilizados nesse
processo foi a Associação Profissional dos Assistentes Sociais de São Paulo –
APASSP, reativada em 1978, ano em que elegeu uma diretoria, formada por um
grupo de Assistentes Sociais, sendo eu a presidente, para um mandato de dois
anos.
As eleições ocorreram após cinco
meses de trabalho árduo, realizado por uma “Junta Governativa” que conseguiu
filiar 700 dos 7.000 profissionais então existentes no Estado de São Paulo e,
desses, apenas 200 compareceram para votar.
No começo, a Associação funcionou,
provisoriamente, na sede do Conselho Regional de Assistentes Sociais –
CRASS/SP, dando início ao trabalho de organização da entidade e de articulação
e mobilização da categoria. Nesse sentido, promoveu várias atividades e
desencadeou lutas importantes que envolveram os Assistentes Sociais de São
Paulo e de outros Estados.
Uma das lutas importantes que, na
época, mobilizou a categoria foi a que se opôs ao Decreto Municipal nº 15.086,
de 6 de junho de 1978, do então prefeito biônico Olavo Setúbal, do PDS, que
transferia para as Administrações Regionais a responsabilidade pela guarda e
fiscalização das áreas livres da Prefeitura, determinava o uso de força
policial e a intervenção dos Assistentes Sociais da Supervisão Regional de
Serviço Social para impedir a ocupação das áreas vazias. A APASSP desencadeou,
então, um movimento contra o decreto, denunciando seu caráter injusto e
repressivo, e de apoio aos profissionais que se recusavam a cumprir o que ele
determinava.
Participaram dessa luta, além dos Assistentes
Sociais, profissionais de outras categorias e os próprios moradores das favelas
ameaçados de despejo ao se cumprir o referido decreto.
O movimento desencadeado pela
Associação teve ampla repercussão junto à opinião pública e estimulou o
processo de organização dos moradores das favelas de São Paulo. Pouco a pouco,
foram surgindo as Associações de Moradores de Favelas que passaram a encaminhar
a luta em defesa do direito à moradia e que resultou em um importante
movimento em torno dessa questão e que
se estendeu por todo o país.
Mais uma iniciativa importante
protagonizada pela APASSP, junto com outras seis entidades, foi o I Encontro Paulista de Entidades
Profissionais, realizado de 16 a 20 de agosto de 1978, para discutir temas de
interesse de todas elas e buscar soluções para problemas comuns às mesmas.
Um outro evento que contou com ativa
participação da APASSP foi o I Encontro
Nacional de Entidades Sindicais de
Assistentes Sociais, oportunidade em que se discutiram assuntos de
relevante interesse para o fortalecimento da organização política dos profissionais
de Serviço Social, realizado nos dias 25 e 26 de agosto de 1978, do qual
participaram representantes de sindicatos e associações de alguns Estados da
federação.
Um II Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais realizou-se
de 2 a 4 de novembro daquele mesmo ano, também em Belo Horizonte, e que
contribuiu significativamente para a compreensão do papel das entidades de
representação profissional na sociedade brasileira. O Encontro reuniu um número
maior de entidades em relação ao primeiro e representou um avanço ao definir
uma linha política para orientar a atuação profissional.
Constatou-se, naquele Encontro, que
a maioria das entidades de assistentes sociais fora criada antes de 1964, ano
em que suas atividades foram paralisadas pelo regime militar e retomadas apenas
a partir de meados da década de 70, quando a conjuntura política começou a
mudar.
Ainda em 1978, a APASSP criou um
núcleo seu na Baixada Santista e uma comissão de assistentes sociais da
Prefeitura Municipal de São Paulo para atuar junto à APASSP. Apoiou, também,
movimentos mais gerais da sociedade, tais como: Movimento Contra a Caristia;
Movimento de reivindicação salarial dos funcionários do Hospital dos Servidores
Públicos do Estado; Movimento dos artistas contra a censura e pela liberdade de
manifestação, expressão e organização; e Movimento dos estudantes residentes na
Casa Universitária pelo direito à moradia.
O ano de 1979 foi marcado pela luta
dos trabalhadores na defesa dos seus direitos. Operários, profissionais
liberais, funcionários públicos e intelectuais se uniram contra a política de
arrocho salarial, na luta por melhores condições de vida e pelo direito de
participação política. A APASSP participou ativamente de todas essas lutas.
Após a experiência das greves
setoriais em 1978 no serviço público estadual, organizou-se, em São Paulo, a
Campanha Salarial Unificada dos Serviços
Públicos, que se constituiu em um canal
de expressão das reivindicações dessa categoria de trabalhadores, privada de
direitos sindicais e sacrificada pela política de contenção salarial imposta
pela elite dirigente.
Como assistente social da Prefeitura
de São Paulo integrei o Comando Geral da greve dos funcionários municipais e a
Comissão de negociação, representando também
a categoria dos assistentes sociais como presidenta da APASSP. Assumi,
naquele momento, a liderança do movimento grevista do funcionalismo municipal,
o que me possibilitou uma extraordinária experiência de participação política,
e para a APASSP, a participação na greve trouxe resultados muito positivos,
pois levou à mobilização e participação dos assistentes sociais diretamente interessados
nas reivindicações, além de gerar um
valioso saldo de consciência política.
A APASSP integrou também a Comissão
Permanente de Mobilização, formada por quarenta entidades, com o objetivo de
apoiar os trabalhadores em greve no ABCD, em março de 1979, quando ocorreu a
intervenção do Ministério do Trabalho nos sindicatos daquela região.
Nos dias 21, 22 e 23 de setembro de
1979, realizou-se na cidade de São Paulo, o III Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais, do
qual participaram 21 entidades de todo o país.O Encontro discutiu temas
relevantes e aprovou importantes diretrizes para orientar a atuação profissional
e política naquela conjuntura.
Vale destacar, ainda, outro
resultado valioso do III Encontro que foi a criação da Comissão Executiva
Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS), formada por
cinco entidades, representando as cinco regiões do país e que seriam responsáveis pelo encaminhamento das questões
de interesse da categoria em suas respectivas regiões. A coordenação da CENEAS
ficou com a APASSP e reuniu as entidades
sindicais da categoria de todo o país, com uma perspectiva de ação conjunta e
articulada.
Um dos pontos altos do III Encontro
foi a posição que assumiu sobre o III Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais (CBAS) e que resultou em um Manifesto, assinado pelas 25 entidades
presentes no Encontro, denunciando a organização do III Congresso, nos
seguintes termos:
“1.
A preparação do III CBAS, que não garantiu a consulta aos assistentes sociais,
através de discussões amplas e democráticas;
2.
A forma de organização, que impediu a participação maciça dos profissionais,
pois o preço cobrado para a inscrição no congresso e as demais despesas
(passagens, estadia e alimentação), não condizia com a realidade salarial da
maioria dos assistentes sociais brasileiros;
3.
A limitação à participação dos estudantes de Serviço Social, principalmente
daqueles próximos à conclusão do curso, que, não só têm interesse e necessidade
de discutir com a categoria, como podem contribuir no debate sobre os rumos da
profissão na realidade brasileira;
4.
A definição do tema, considerando que os assistentes sociais não participaram
da sua escolha, não podendo assegurar a linha, as diretrizes e os
posicionamentos que contribuiriam para a busca de uma posição política coerente
com o momento histórico;
5.
O repúdio ao convite de honra feito aos representantes do governo,
principalmente ao ministro do Trabalho, Murilo Macedo, que assume atitudes
patronais e repressivas, tendo determinado a intervenção nos sindicatos numa
tentativa de impedir a emancipação dos trabalhadores. Tais medidas e outras punições
atingiram duramente líderes sindicais em Minas Gerais, São Paulo, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, decorrentes da política
governamental que reprime manifestações populares”.
Em síntese, minha inserção
profissional e política, na época, se deu no trabalho sindical e político como
presidenta da Associação Profissional dos Assistentes Sociais de São Paulo-
APASSP, e da Comissão Executiva Nacional de Entidades de Assistentes
Sociais–CENEAS, conforme relato acima; na experiência profissional, como
Assistente Social da Prefeitura Municipal de São Paulo, e, na área acadêmica,
como professora de Serviço Social em várias faculdades do Estado de São Paulo,
tais como: PUC/SP, FMU/SP, Faculdade Paulista de Serviço Social, entre outras.
Acrescente-se, outrossim, que tanto
a militância sindical como a experiência profissional, no campo da prática e na
área acadêmica, foram marcadas por dimensão coletiva e por forte vinculação com
os movimentos sociais e populares, além do real compromisso com a luta do povo
brasileiro em defesa da democracia e dos direitos de cidadania.
Além disso, a inserção profissional
e política, nas décadas de 1960 e 1970, me impulsionou a assumir a militância
político-partidária, a partir da década de 1980, sem, contudo, abdicar do
projeto profissional que, até hoje, inspira e influencia minha atuação
política.
Enfim, é possível afirmar
que,modestamente, contribui, sim, para o Serviço Social brasileiro e latinoamericano.
3. Que relevância teve
a militância de alguns Assistentes Sociais vvvinculados a organizações de
esquerda para além dos espaços da categoria profissional naquele momento
histórico.
Antes de tudo, contribuiu para criar
uma outra imagem do profissional de Serviço Social junto aos trabalhadores e à
sociedade em geral.
Tido, tradicionalmente, como
alienado e instrumento a serviço da ordem e dos interesses das classes
dominantes, passou a ser visto e considerado como um aliado dos que lutavam
contra o regime militar e em defesa dos interesses populares.
A militância política desses
assistentes sociais e seu engajamento concreto nas lutas reivindicativas dos
trabalhadores e dos segmentos excluídos da sociedade, contribuíram para afirmar
a dimensão político-ideológica da
profissão. Também ajudou na articulação dos Assistentes Sociais com
profissionais de outras áreas, ampliando e fortalecendo, assim, sua própria
atuação e a daqueles com os quais militavam e participavam das mesmas lutas.
Ajudou no processo de politização
dos assistentes sociais menos politizados e contribuiu na organização política
da categoria, participando da criação de associações profissionais e sindicatos
como instrumentos de luta por direitos e de conquista de espaço de ação
política na sociedade.
Em síntese, a militância dos Assistentes
Sociais vinculados a organizações de esquerda, nas décadas de 1960 e 1970, foi muito
importante como presença da categoria nas lutas que marcaram aquele momento
histórico da vida do país e que criaram as condições para as mudanças e
avanços, cujos efeitos até hoje se fazem sentir.
4. Avalie o processo
de organização do III CBAS e o significado teórico-político de sua estrutura.
No 3º Encontro Nacional de Entidades
Sindicais de Assistentes Sociais, acima referido, foi feita uma avaliação pelas
entidades presentes naquele encontro, chegando à conclusão de que a organização do Congresso foi
feita à revelia da categoria e sequer suas entidades foram consultadas a respeito, não obstante
estarem, naquele momento, bastante mobilizadas e ativas na defesa dos interesses
profissionais e engajadas na luta política
dos trabalhadores e da sociedade brasileira em geral pela redemocratização do
país.Consideraram, portanto, o processo de organização do Congresso muito autoritário e fortemente centralizado
pelo CFAS e pelos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais.
Quanto à sua estrutura temática não oferecia
qualquer perspectiva de reflexão crítica do ponto de vista teórico e, muito
menos, de posicionamento político a respeito das políticas sociais do governo. Ao
contrário disso, as mesas de debate foram compostas quase que exclusivamente por
representantes dos governos federal, estaduais e municipais e por técnicos e especialistas
sintonizados com o regime, focados
na promoção das políticas oficiais e da
propaganda das mesmas.
Além do caráter oficialesco e
propagandístico do Congresso, ficou evidente também a preocupação em dar uma
aparência pomposa ao evento, o que certamente contribuiu para elevar seus
custos e, consequentemente, para o alto preço das inscrições. Assim sendo,
restringiu muito o acesso dos assistentes sociais que viviam, na época, difícil
situação de desemprego e de arrocho salarial, como ocorria com a imensa maioria
dos trabalhadores brasileiros.
Portanto, a conclusão que se tira é
a de que a concepção que norteou a organização e a estruturaçao do III CBAS,
bem como sua linha política demonstram o
enorme distanciamento, por parte dos seus organizadores, do conjunto da
categoria; a subserviência aos donos do poder e de total alheiamento e descompromisso
com a luta de resistência à ditadura e pela reconquista das liberdades
democráticas, travada heroicamente pelo povo brasileiro.
Ainda bem que um segmento
representativo da categoria, sob a orientação de lideranças politizadas e
comprometidas com as mudanças reclamadas pelos assistentes sociais e
sintonizadas com os anseios do povo brasileiro, reagiu e provocou uma ruptura
que alterou, profundamente, os rumos da história do serviço social no Brasil.
5. Comente sobre o
processo que permitiu e culminou no movimento que deu origem ao termo
“Congresso da Virada” e qual foi sua participação nesse processo.
O III Congresso Brasileiro de
Assistentes Sociais, realizado de 23 a 28 de setembro de 1979, no Palácio das
Convenções do Parque Anhembi, na capital de São Paulo, reuniu cerca de 2.500 Assistentes Sociais
de todo o país e frustrou as expectativas dos participantes pelo seu caráter
autoritário e oficialesco. Se não fosse a presença ativa e organizada das
entidades sindicais da categoria, o Congresso teria se esvaziado já no segundo
dia.
Essas entidades realizaram, paralelamente à programação oficial, uma
assembléia da qual participaram aproximadamente 600 congressistas, quando, em
um clima tenso e de grande insatisfação, denunciaram a forma autoritária como o
Congresso fora organizado e os rumos que
tomou, defendendo e fazendo propaganda das políticas sociais dos governos
federal, estaduais e municipais.Foi uma demonstração de subserviência explícita
ao regime autoritário, vigente no país, naquela época.
Por decisão unânime da assembléia
paralela, as lideranças sindicais tomaram a direção do Congresso na abertura da
plenária geral do segundo dia e, no início dos trabalhos, a Mesa Diretora
propôs e foi aprovada a destituição
da
Comissão de Honra do Congresso, composta
à revelia da categoria, pelo então Presidente da República, General João
Batista Figueiredo; o Ministro do Trabalho, Murilo Macedo, (que havia cassado a
diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, cujo presidente era Luiz Inácio
da Silva); o Ministro da Previdência, Jair Soares; o Governador de São Paulo,
Paulo Salim Maluf, e o Prefeito da Capital, Antônio Salim Curiati.
Também por decisão soberana da
Assembléia a Comissão de Honra passou a ser integrada por representantes dos
dirigentes sindicais cassados; do Comitê Brasileiro pela Anistia; do Movimento Contra
a Carestia; da Associação Popular de Saúde; da Frente Nacional do Trabalho,em
homenagem aos trabalhadores brasileiros e todos os que morreram na luta em
defesa da democracia.
A Assembléia aprovou, ainda, o
seguinte Manifesto:
“1.
Considerando o caráter antidemocrático deste III CBAS, cujos procedimentos
foram decididos pela comissão executiva sem qualquer discussão com a categoria,
nós, Assistentes Sociais, apresentamos nosso repúdio e propomos que o próximo
congresso seja assumido pelas entidades realmente representativas da categoria,
ou seja, nossos sindicatos e associações de classe;
2.
Considerando que a política social é um reflexo do modo de produção, e que sua
abordagem deve ser feita de forma a possibilitar uma visão global que permita
aos profissionais discutir as políticas setoriais referentes aos diversos
campos de atuação e as possíveis inter-relações entre elas, propomos que o
painel “O profissional na política social” seja apresentado dentro desta visão
global;
3.
Considerando não ser correta a separação entre profissionais e estudantes de
Serviço Social, visto que têm objetivos e anseios comuns e pelos quais lutam
juntos, repudiamos a restrição à sua participação, limitada apenas a dois
estudantes por faculdade;
4.
Considerando a conjuntura brasileira e a retomada pelos trabalhadores da luta
por melhores condições de vida e de trabalho, propomos que as despesas com as
atividades sociais do congresso sejam canceladas e destinadas ao Fundo de Greve
dos trabalhadores brasileiros;
5.
Considerando que o Assistente Social é um trabalhador assalariado, propomos a
discussão de seus salários e as condições de trabalho durante o congresso, com
vistas a estimular sua participação na luta de todos os trabalhadores
brasileiros;
6.
Considerando a relação da prática dos Assistentes Sociais com as lutas mais
gerais da população, propomos a participação de representantes das comunidades
e de lideranças sindicais em todas as mesas e painéis do congresso”.
O III CBAS realizou-se em um momento
de intensa mobilização social e política
e de avanço da luta contra o regime militar e pelos direitos sociais e
políticos do povo brasileiro.
A assembléia de encerramento contou
com a presença da Comissão de Honra, eleita democraticamente pelos
congressistas ocasião em que várias Moções importantes foram aprovadas,
destacando-se, entre outras, a de repúdio à intervenção nos sindicatos e prisão de líderes sindicais; contra o projeto
de Anistia restritiva e contra a devastação e ocupação da Amazônia.
Convidado de honra do III CBAS,
representando os trabalhadores brasileiros, o líder sindical Luiz Inácio Lula
da Silva participou do ato de encerramento do Congresso, quando falou aos Assistentes
Sociais. Foi um discurso político, dizendo ter se surpreendido ao ver os
profissionais assistentes sociais engajados na luta em defesa da população.Falou
do compromisso desses profissionais com os interesses populares e com a
democracia. Acrescentou ainda que imaginava tratar-se de um Congresso de uma
pequena burguesia, mas que tinha ficado “fascinado por ver a coragem com que as
pessoas se colocavam diante do microfone e criticavam, sem nenhum receio, os
erros cometidos, seja pelos patrões, seja pelo governo, seja até mesmo por
colegas. Democracia é isso”. E concluiu com a seguinte aclamação: “Haverá um
dia em que trabalhadores braçais, Assistentes Sociais, intelectuais, políticos;
todos nós, juntos, nos levantaremos sem um pingo de medo, mas também sem um
pingo de ódio, e na praça pública
gritaremos alto e bom som: Povo sofredor, secai vossas lágrimas!
Escravos, levantai-vos de vossa prostração!”
Nós que tivemos o privilégio de
protagonizarmos aquele momento temos consciência do seu significado histórico e
político; da propriedade do que se convencionou chamar, entre os assistentes
sociais, de “Congresso da Virada”. Expressão esta que, cada dia, ao longo dos
últimos trinta anos, adquire mais força e sentido e que soa como um alerta para
que estejamos sempre atentos às exigências da realidade e fiéis ao compromisso
profissional de servirmos aos excluídos da sociedade e de contribuirmos na
construção de uma sociedade justa e igualitária.
Minha participação no processo de
construção do III CBAS foi uma decorrência da longa trajetória que percorri,
junto com meus colegas de profissão, desde que sai da Paraíba, fugindo da
perseguição política da ditadura, e chegando a São Paulo em 28 de janeiro de
1971. De que me acusavam, então? Do crime de tentar ajudar os trabalhadores
rurais a se conscientizarem dos seus direitos e a se organizarem para lutar por
esses direitos.
Trabalhando como assistente social
nas favelas da periferia de São Paulo, onde se amontoavam os migrantes
nordestinos, arrancados de suas raízes e expulsos pelo latifúndio, tive que
enfrentar um outro desafio. Dessa vez, o de tentar organizar esses
trabalhadores para travarem a luta pelo direito a moradia. No campo, a luta era
por terra para trabalhar; na cidade, à luta era por terra para morar. E o
inimigo era e é sempre o mesmo: a apropriação privada dos meios de produção,
dogma do capitalismo.
Ao trabalharmos com os pobres e
procurar abrir-lhes os olhos, ajudando-os a se organizarem, o cerco voltou a se
fechar contra nós nos espaços institucionais onde exercíamos a profissão.
Daí, então, tivemos que nos
organizarmos políticamente, buscando criar outros espaços de luta profissional.
Foi neste sentido que nos empenhamos na reativação da Associação Profissional
dos Assistentes Sociais de São Paulo-APASSP, ponto de partida para a
organização e articulação política dos Assistentes Sociais em todo o país, com
a criação de associações profissionais e sindicatos da categoria em vários
Estados e que passaram a ser coordenadas por uma entidade nacional, a
Coordenação Executiva Nacional de Entidades de Assistentes Sociais-CENEAS.
Portanto, minha participação no
processo que culminou no movimento que deu origem ao “Congresso da Virada” se
deu na condição de Presidenta da APASSP e da CENEAS.
6. Este item foi
respondido no item anterior ( item 5).
7. Analise os impactos
do “Congresso da Virada” para a renovação do Serviço Social brasileiro e
construção do Projeto Ético-político profissional.
O Serviço Social como prática social
e como profissão é resultado do processo sócio-cultural em cada espaço e em
determinado contexto histórico, ou seja, é produto histórico-social. Assim
sendo, assume feições e peculiaridades que se expressam no seu referencial
teórico e no projeto ético-político profissional, ao mesmo tempo em que recria
e atualiza seu instrumental de análise e de intervenção na realidade. Tudo isso
é pressuposto da ação profissional como
práxis social.
O Serviço Social, a meu ver, foi uma
das profissões mais impactadas pelos acontecimentos que marcaram os últimos
trinta anos da nossa história. Antes de tudo, porque sofreu as mudanças
ocorridas nesse período, e por causa da ruptura que realizou entre seu passado
e seu presente.
Antes da década de 1980, a atuação
profissional dos assistentes sociais se caracterizava, sobretudo, por posições
reativas e de adaptação passiva à realidade.
A
partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, o Brasil vivia um
processo sócio-político que exigia posicionamento político e afirmação clara de
compromisso com relação aos interesses sociais em disputa. De um lado, os
interesses das classes dominantes, representados e defendidos pelo Estado e
suas instituições. De outro, os interesses dos trabalhadores e da maioria da
população excluída econômica, social, cultural e políticamente. E os
Assistentes Sociais, por sua vez, na
condição de agentes institucionais operadores das políticas sociais públicas,
tinham a função de mediar esses interesses contraditórios e de administrar os
conflitos gerados.
Foi exatamente essa realidade da
profissão que começou a ser questionada pelos assistentes sociais comprometidos
e engajados no processo político que culminou com o fim da ditadura militar e a
redemocratização do país.
A ruptura se deu com o “Congresso da
Virada”, como resultado do acúmulo de forças que vinha sendo construído ao
longo do processo de organização política da categoria e de preparação do III
CBAS.
Esse Congresso, portanto, foi um
marco na história do Serviço Social no Brasil, a partir do qual o projeto
profissional começou a ser repensado, não só por força das transformações em
curso na sociedade brasileira, mas também em razão das contradições existentes
no seio da própria profissão.Contradições essas que se explicitaram de forma
aguda,ao se confrontarem durante os
debates realizados no Congresso.
Ao se comemorar os 30 anos do
“Congresso da Virada”, que provocou a renovação do Serviço Social e a
construção do projeto ético-político profissional, uma reflexão precisa ser
feita, tanto pelos que protagonizaram aquele momento histórico, como pelos que
têm a responsabilidade pela construção do projeto profissional no presente, visto
que o ciclo histórico que deu origem ao
projeto profissional em questão, entrou em uma fase de esgotamento que tem como
sinal a atual crise político-institucional, colocando novas exigências e
desafios para os sujeitos políticos coletivos que devem repensar sua ação em
todos os seus aspectos.
Cumpre, pois, ao Serviço Social,
como uma das expressões da sociedade brasileira e enquanto área de conhecimento
e de ação profissional, atualizar seu referencial teórico e reciclar seus
instrumentos de análise e de intervenção, com vistas a adequá-los às novas exigências de uma realidade complexa e em
acelerado processo de mudança.
No que tange aos assistentes sociais,
como profissionais e enquanto sujeitos coletivos de ação política, é necessário
que repensem sua prática e a contribuição que poderão dar à construção de um
projeto político de sociedade, capaz de
consolidar e ampliar as conquistas democráticas e de fazer do Brasil uma nação
justa, livre e soberana.
Finalmente, que a comemoração dos 30
anos do “Congresso da Virada” seja uma oportunidade para se fazer um balanço
dessa longa trajetória; refazer caminhos e traçar perspectivas para o futuro,
movidos pelo mesmo sonho e pela mesma utopia que inspiraram os que construíram
os alicerces dessa história que hoje celebramos.
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